quarta-feira, 18 de abril de 2018

T1 N° 707 : A CASA DE HADES

LIX

JASON

AOS DEZESSEIS ANOS, A MAIORIA dos jovens se preocupa com a prova de baliza, tirar a carteira de motorista e ter dinheiro para comprar um carro. Jason se preocupava em controlar uma tropa de cavalos de fogo com cordas de vento. Depois de se certificar que seus amigos estavam a bordo e em segurança sob o convés, ele atou os venti à proa do Argo II (coisa que Festus não gostou nem um pouco), montou na figura de proa e gritou: — Upa, lelê! Os venti dispararam pelas ondas. Não galopavam tão rápido quanto o cavalo de Hazel, Arion, mas eram muito mais quentes. Levantavam uma nuvem de vapor que tornava quase impossível que ele enxergasse para onde iam. O navio disparou para fora da baía. Em pouco tempo, a África era apenas uma linha nebulosa no horizonte atrás deles. Manter as cordas de vento exigia toda a concentração de Jason. Os cavalos faziam força para se libertarem. Apenas a determinação dele os mantinha sob controle. Malta, ordenou. Para Malta. Quando finalmente viu terra ao longe — uma ilha montanhosa coberta de pequenas construções de pedra —, Jason estava encharcado de suor. Seus braços pareciam feitos de borracha, como se tivesse sustentado um haltere sem dobrar o cotovelo por muito tempo. Ele esperava que tivessem chegado ao lugar certo porque não conseguiria manter aqueles cavalos juntos por mais tempo. Jason soltou as rédeas de vento. Os venti se dissolveram em partículas de areia e vapor. Exausto, ele desceu da proa e se apoiou no pescoço de Festus. O dragão virou-se e recostou a cabeça no ombro dele. — Obrigado, cara — disse Jason. — Dia difícil, hein? Atrás dele, as tábuas do convés rangeram. — Jason — chamou Piper. — Ah, deuses, seus braços…
Ele não percebera, mas sua pele estava repleta de bolhas. Piper pegou um pedaço de ambrosia. — Coma isso. Ele mastigou. Sua boca se encheu com o sabor de brownies recémassados — seu doce favorito nas padarias de Nova Roma. As bolhas desapareceram de seus braços. Sua força voltou, mas o brownie de ambrosia parecia mais amargo do que o habitual, como se soubesse de alguma forma que Jason estava dando as costas para o Acampamento Júpiter. Aquele gosto não o fazia mais se lembrar de casa. — Obrigado, Pipes — murmurou ele. — Por quanto tempo estive…? — Umas seis horas. Uau, pensou Jason. Não é de se admirar que estivesse dolorido e com fome. — E os outros? — Estão bem. Cansados de ficarem parados. Posso dizer que é seguro subir ao convés? Jason lambeu os lábios secos. Apesar da ambrosia, sentia-se trêmulo. Ele não queria que os outros o vissem assim. — Me dê um segundo para recuperar o fôlego. Piper se encostou ao lado dele. Estava usando uma regata verde, short bege e botas de caminhada, parecia pronta para escalar uma montanha e então encarar um exército quando chegasse lá em cima. Trazia sua adaga presa ao cinto e a cornucópia pendurada no ombro. Ela tinha decidido ficar com a espada dentada de bronze que tirara de Zetes, o boreada, que era apenas um pouco menos intimidadora do que um rifle. Durante o tempo em que ficara no palácio de Austro, Jason observara Piper e Hazel treinando com as espadas durante horas, algo por que Piper jamais se interessara anteriormente. Desde seu encontro com Quione, ela parecia mais nervosa, tensa como uma catapulta armada, como se estivesse determinada a nunca mais ser pega de surpresa. Jason entendia o sentimento, mas tinha medo de que ela estivesse sendo muito severa consigo mesma. Ninguém podia estar pronto para qualquer situação o tempo todo. Ele devia saber: passara a última batalha como um tapete congelado no chão. Jason devia estar encarando Piper, porque ela acabou lançando-lhe um
sorriso compreensivo. — Ei, eu estou bem. Nós estamos bem. Ela ficou na ponta dos pés e o beijou, e foi tão bom quanto a ambrosia. Seus olhos tinham tantas tonalidades que Jason poderia ficar olhando para eles o dia inteiro, da mesma forma que as pessoas assistem às auroras boreais. — Eu tenho sorte de ter você — disse ele. — Sim, você tem. — Ela empurrou seu peito com delicadeza. — Agora, como é que vamos levar este navio até o cais? Jason franziu a testa e olhou para a ilha. Ainda estavam a cerca de um quilômetro de distância. Ele não fazia ideia se conseguiriam ligar os motores ou içar as velas… Felizmente, Festus estava ouvindo. Ele olhou para a frente e cuspiu fogo. O motor do navio roncou e vibrou. Parecia uma enorme motocicleta com a corrente partida, mas o barco começou a se mover. Lentamente, o Argo II seguia em direção ao litoral. Piper deu um tapinha no pescoço de Festus. — Bom menino. Os olhos de rubi do dragão brilharam como se ele estivesse satisfeito consigo mesmo. — Festus parece diferente depois que você o ligou — disse Jason. — Mais… vivo. — Do modo como ele deveria ser. — Piper sorriu. — Acho que todos nós precisamos ser despertados por alguém que nos ama de vez em quando. Perto dela, Jason se sentia tão bem que quase podia imaginar seu futuro juntos no Acampamento Meio-Sangue quando a guerra terminasse — supondose que fossem sobreviver e que ainda houvesse um acampamento para onde voltar. Quando tiver que escolher novamente entre tempestade ou fogo, dissera Noto, lembre-se de mim. E não entre em pânico. Quanto mais se aproximavam da Grécia, mais nervoso Jason ficava. Estava começando a pensar que Piper estava certa sobre o trecho da tempestade ou fogo da profecia: um deles, Jason ou Leo, não voltaria vivo daquela viagem. E era por isso que tinham que encontrar Leo. Por mais que desejasse viver, Jason não poderia deixar seu amigo morrer por causa dele. Não poderia viver
com a culpa. É claro que esperava estar enganado. Ele queria que ambos saíssem daquela missão inteiros. Mas tinha que estar preparado. Ele protegeria seus amigos e deteria Gaia — a qualquer custo. Não entre em pânico. Sim. Fácil para um deus do vento imortal falar. À medida que a ilha se aproximava, Jason viu as docas repletas de barcos. Da costa rochosa elevavam-se paredões de uns quinze metros de altura parecidos com fortalezas. Acima deles, erguia-se uma cidade de aparência medieval com torres de igreja, domos e prédios amontoados, todos feitos da mesma pedra dourada. De onde Jason estava, parecia que a cidade cobria cada centímetro da ilha. Ele examinou os barcos no porto. Cem metros à frente, amarrado na ponta da maior doca, havia uma jangada improvisada, com um mastro e uma simples vela quadrada de lona. Na proa, o leme estava ligado a algum tipo de máquina. Mesmo a distância, podia ver o brilho do bronze celestial. Ele sorriu. Somente um semideus faria um barco como aquele e atracaria o mais perto possível do porto, onde o Argo II não poderia deixar de notá-lo. — Chame os outros — disse Jason para Piper. — Leo está aqui.

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