tecla start para parar de bocejar, acabando de vez com a preguiça. Resolvera levar o game ao pesqueiro, meio escondido do avô, que, é óbvio, não iria concordar com a ideia. Ainda bem que o trouxera, pensou, pois o que teria para fazer enquanto esperava o peixe morder a isca? De repente aconteceu, enquanto o avô descia do carro para fechar o portão da chácara. Foi naquele exato momento que Cláudio Renato viu o primeiro deles, como se saísse do nada, da escuridão, de um desvão inexistente. Logo apareceu outro, em seguida mais outro. Encapuzados. Três ninjas! Gritando, mais xingando o avô do que falando. O que queriam? Cláudio Renato ali, assistindo a tudo de dentro do carro sem saber o que fazer. Ao mesmo tempo, desesperado, porque sentia que precisava fazer algo, rapidamente! O ninja maior, com a arma na mão, deu ordens para que derrubassem o avô, que desabou no chão, gemendo de dor. Começaram a chutá-lo enquanto o amarravam com um fio grosso, dando voltas e mais voltas em suas mãos, e Cláudio Renato no carro, olhando. Precisava fazer alguma coisa. O que, meu Deus? Tinha de ser já. Desespero mudo. Aflição medonha. Fazer o quê? Gritar por socorro? Socorro, socorro! Mãe? Mãe, socorro! Vô? Vovôoo... Cláudio Renato compreendeu — assim como quem entra num beco sem saída — que fez justamente o que jamais deveria ter feito: chamar a atenção. Porque agora os três ninjas, juntos, olhavam para dentro do carro. Lembraramse dele! Viraram-se para ele! Vinham em sua direção! O jogo em suas mãos começou a tremer, a tremer tanto que as teclas faziam barulho. Mas ele precisava agir rápido, sem se precipitar, sem cometer nem um erro sequer, apertando as teclas certas o mais rápido que pudesse: para frente, para trás, L, R, juntas, quase ao mesmo tempo. Para a esquerda, A; para a direita, B; para cima, A; para baixo, B! Assim, quando Cláudio Renato deu por si, já estava fora do carro. E se conseguisse contornar o carro? E se conseguisse se esconder embaixo dele?, pensou. Agachado, por debaixo do carro, por um instante, era ele quem vigiava os ninjas. Cuidado. Os maus elementos espreitam... Foi quando viu o avô, meio que gemendo, falando baixinho para que só ele escutasse: — Fuja, fuja, fuja! Mas não queria fugir. Não queria deixar o avô ali, sozinho. Não podia. Não podia deixá-lo com eles.
— Fuja, fuja, fuja! Tarde demais. A mão, revestida com a luva preta, agarrou seu pé, puxando-o com força pelo tênis. Tinha de se livrar rápido! E se apertasse todas as teclas, pensou, todas ao mesmo tempo?! E se tivesse sorte... Cláudio Renato se concentrou no game e deu tudo de si, apertando e apertando as teclas tão rapidamente e com uma técnica tão precisa, como fazia quando tinha só o Jogo da Selva.
Viu, então, seu corpo girar com uma flexibilidade incrível. Viu se livrar daquela mão e, em seguida, começar a correr, a correr como um super-herói, mesmo com um dos pés descalço. Agora corria, corria como nunca, numa velocidade incrível. E quando ouviu atrás de si gritos para parar, seguidos do que parecia ter sido o som de um tiro, sentiu como se estivesse correndo até à frente da bala. Na tela, o mostrador registrava os pontos, seguidamente, a cada obstáculo ultrapassado. O primeiro que pulou foi um pneu; depois, o tronco de uma árvore; em seguida, um carro. Mais à frente pulou um muro. Depois outro, e assim foi pulando todos os muros que iam aparecendo no caminho, cada vez mais altos. Mais adiante, foram os telhados, os fios de alta-tensão, as copas das árvores...
* * *
Já não estava escuro. O acinzentado da manhã dando lugar a um verdeclarinho, verde da grama, verde dos campos. Voava a uma velocidade sem limites, como um foguete que se distancia da Terra. O mundo lá de cima era tão bonito, calmo e sereno. Por que foi acontecer isso? Ainda mais com o vô! O que o vô fez de tão ruim para merecer que o chutassem daquele jeito, para que o xingassem e batessem nele, e o amarrassem sem dó?! Meu vô, meu vovô querido, que é tão legal comigo, com os cães, as árvores, os pássaros... Cláudio Renato continuou correndo por um bom tempo. Os passos cada vez mais largos, os pés no ar, como num voo; um dos pés descalço. Dava o máximo de si, porque se sentia ainda perseguido, ouvindo em sua cabeça a voz sussurrante do avô: "Fuja, fuja, fuja!". Foi tão longe que, muito tempo depois, quando parou ofegante, o sol já ia alto e havia cruzado todo o céu. E Cláudio Renato nem imaginava onde estava.
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