25. Sonhos e pesadelos
Aqui, agora. Aqui, agora." O pássaro voou alto, subindo em direção ao céu. Quando desceu, um segundo depois, indo pousar na árvore baixa, próxima de um barraco, Cláudio Renato compreendeu tudo. Mesmo de longe reconheceu a voz do avô, quase gritando, desesperado: — Não me importo. Pode atirar. Atire logo! Não vou escrever nada... O que Cláudio Renato fez em seguida — por mais que tentasse se explicar depois — nem ele pôde compreender inteiramente. Pelo que se lembrava, sua última decisão — porque, a partir daquele instante, foi como se obedecesse sabe-se lá a que desígnios mágicos — foi apertar as teclas do seu game, quase todas ao mesmo tempo. Havia decidido usar os controles só em caso de extrema necessidade, mas algo superior às suas forças fez que, ao ouvir a voz do avô, acionasse as teclas por instinto, mais como um reflexo, na maior velocidade possível: a de cima e a de baixo, a da esquerda e a da direita. A, B, L, R. E o que aconteceu — e teve de repetir, contando sempre a mesma história, e todos apenas fingindo que acreditavam — foi algo tão inusitado que até ele, com o tempo, passou a duvidar do ocorrido. Porém, ele se recorda de tudo muito bem. Jamais irá esquecer na vida. Seguia o pássaro desde a casa quando parou para vê-lo subir ao céu cantando e descer depois, como uma flecha, em direção à árvore baixa, já deixando de ser pássaro. O topete se transformando num penacho, a cauda ficando longa, prateada. Sim! Era a ave gigantesca que havia visto antes. Ao lado dela, também surgindo do nada, o cão, o mesmo cão! E tudo aconteceu junto: viu o barraco, ouviu a voz do avô, apertou as teclas por instinto e já não sabia mais se ele era a ave, o cão, ou os dois ao mesmo tempo, porque só se recorda de ter chegado ao barraco tão rapidamente como se tivesse voado. E de ter trombado na porta, escancarando-a, com a força de um cão enorme. E com mais força e agilidade ainda, com uma rapidez sobrehumana, de ter saltado sobre o avô enquanto ouvia o estampido de um tiro. A polícia, em seguida, invadindo o barraco — gritos, correria, ordens, armas apontadas, pânico, confusão — e prendendo a todos.
Foi então como se o tempo, lentamente, tivesse recuperado seu ritmo natural. O mundo voltando a ser o que era. A dor e o sangue na perna do avô. Dor e sangue nele, como se também tivesse sido atingido. E a história, aos poucos, perdendo a magia.
* * *
Talvez tenha sido o pesadelo naquela noite. Ou ter dormido com o game sobre a mesa de cabeceira entre as camas, onde também estavam as folhas impressas com a pesquisa sobre gaviões. Ou ainda outro motivo maior que escapava à sua compreensão que fez que, ao abrir os olhos, na manhã seguinte ao telefonema do avô, Cláudio Renato desejasse muito ir até a chácara, mesmo sabendo que estava proibido de fazer isso.
Entregaria a pesquisa, leriam juntos. Contaria ao avô sobre a teoria dos átomos. Matariam a saudade. Sentia tanta saudade! Mas o que fazer se não podia ir até lá e, muito menos, se não queria desobedecer a seus pais, as pessoas que mais amava no mundo? Lembrou-se então do pesadelo. E das outras noites em que tivera o mesmo pesadelo. Os pensamentos girando, ouvindo gritos medonhos, o bebê chorando, o salto das alturas do avião, a agonia de ser esmagado contra as paredes, os bandidos, a polícia, o tiro. A dor e o sangue na perna do avô, sentindo-se como se também tivesse sido atingido. A primeira vez que teve o pesadelo, acordou em pânico, suando, desesperado. O avô dormia em seu quarto. Quando deu por si, ele estava em sua cama, abraçando-o, acariciando seus cabelos, pedindo calma — "calma, filho, calma..." —, dizendo que tudo não passava de um sonho. — Não, vô. Não foi sonho. Vi outra vez como aconteceu. Tudo como aconteceu... Não quero ver mais, vô. Não quero ver nunca mais... O avô acalmando-o, abraçado a ele; os dois chorando juntos, e ele repetindo: — Vai passar, filho. Com o tempo, tudo passa. Mas, apesar do tempo, o pesadelo não passava. O avô voltara a morar na chácara, ele voltara a frequentar as aulas e, vez ou outra, o pesadelo ressurgia. O horrível pesadelo. Porém, agora, não tinha mais o avô ao lado dele.
* * *
Pai e mãe, Me desculpem. For favor, tentem compreender o que estou fazendo. Não quero que vocês fiquem tristes e muito menos preocupados, mas também não precisam me perdoar porque sei que estou desobedecendo vocês. Preciso ver o vovô. Decidi isso hoje, assim que acordei, depois que tive aquele sonho novamente. Preciso ver como ele está. Para mim, agora, isso é mais importante do que tudo. Um beijo. Amo muito vocês. Cláudio Renato
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