segunda-feira, 23 de abril de 2018

T1 N° 747 : O MESTRE DOS GAMES

8. Roupas na mochila

O dr. Asdrúbal, delegado do 1Q DP, ligou tarde da noite para a casa de Luci e falava com ela por telefone: — Não, não. Por favor, por favor, dona Luci, escute. Não quero que a senhora alimente esperanças antes da hora. Essa é apenas uma suposição. Por enquanto, veja bem: por enquanto — o delegado fez questão de repetir o por enquanto —, não podemos comprovar nada, absolutamente nada, dona Luci. A única coisa que temos de concreto é o bilhete, e só o bilhete. A senhora poderia vir amanhã, pela manhã? Posso esperá-la aqui na delegacia... Não, não, é melhor na chácara de seu pai. A senhora poderia vir? Luci terminou o telefonema dizendo ao delegado que já estava a caminho da chácara do pai e, definitivamente, não iria considerar os argumentos dele alertando que a pressa era desnecessária. Ela nem precisou olhar para Leandro para ambos correrem em direção ao carro. Desde o dia em que prestaram queixa na delegacia, tanto ela como Leandro não fizeram mais nada na vida senão esperar e esperar. E também rezar para Santa Filomena, a padroeira da família, além de chorar e chorar. Uma espera arrepiante, endoidecida, desumana. Um lamento triste. Uma reza hipnótica e desesperada, como se o mundo houvesse parado, como se tudo mais perdesse o sentido. Depois de comunicarem o desaparecimento, ficou impossível pensar em outra coisa. Se não fosse o delegado proibir, estariam plantados na delegacia desde aquele dia. Ou, então, ficariam de prontidão na chácara, aguardando notícias, aguardando um milagre. Mas o dr. Asdrúbal fora firme ao exigir que permanecessem em casa, tanto para a eventualidade de o contato dos sequestradores ser feito por lá, como para não dificultarem as investigações com perguntas impacientes e impossíveis de serem respondidas. Então, tarde da noite, o delegado ligou comunicando sobre o bilhete e as consequentes pistas despertadas. Não era exatamente uma boa notícia e nem o caso estava para ser resolvido, mas, pelo menos, graças a Deus, era um comunicado. Algo iria acontecer. Uma nova etapa estava começando, dissera o delegado ao telefone, e parecia esperançoso. Como controlar a ansiedade até o outro dia?

* * *

Luci e Leandro já estavam quase chegando à chácara quando ouviram sons de sirene. Leandro acelerou ainda mais. Por um instante, por uma lógica absurda, os dois se encheram de esperança. As luzes de sinalização ligadas sobre as capotas dos carros da polícia, girando, se alternando, vermelho, branco, azul, rodopiando, colorindo, refletindo nas árvores, iluminando a escuridão. Mal estacionaram e o delegado veio até eles dizendo, como quem não tem tempo a perder, que o que tinha até o momento era pouco, muito pouco: apenas o bilhete e uma suposição. Nada adiantaria fazerem perguntas. Por enquanto — ele fazia questão de repetir esse terrível por enquanto —, não teria respostas confiáveis. — Vejam a pedra! — o dr. Asdrúbal, colocando uma luva de borracha, tirou de um plástico transparente uma pedra escura e ovalada, dessas que existem aos milhares no chão. — Olhem bem esta pedra. Pelo peso dela e o estrago que fez, devem tê-la atirado mais ou menos dali, defronte ao portão. — O delegado deu alguns passos em direção ao portão e, em seguida, simulou o gesto de um arremesso. — Amarraram nela o bilhete e acertaram o vidro grande da varanda. Agora, vamos até lá! Tudo que Luci e Leandro conseguiram ver naquela noite, primeiro na chácara, depois na delegacia — quando puderam ler o bilhete que estava sendo analisado pela perícia —, só fez aumentar as expectativas e aflições. Por mais que o dr. Asdrúbal se esforçasse para acalmá-los, repetindo a toda hora que tudo estava sob controle, as investigações caminhando na mais absoluta normalidade, de nada adiantava. — O que importa é que eles fizeram o primeiro contato. Vejam bem: o primeiro contato! É o que importa. Agora, vamos passar para a segunda etapa, a etapa das negociações — disse o dr. Asdrúbal, tomando grandes goles d'água, em pé, ao lado de um bebedouro meio enferrujado da delegacia. — Mas, dr. Asdrúbal, por favor... O bilhete não diz nada sobre meu filho. Como se explica isso? — perguntou Luci, esforçando-se para conter o nervosismo. — A minha hipótese, dona Luci, é a seguinte: o garoto não está com eles. Se estivesse, eles o teriam mencionado no bilhete — afirmou o delegado, enquanto enchia o segundo copo d'água. — Se meu filho não está com eles, está com quem, então? Onde ele está? — perguntou Leandro, quase a exigir do delegado uma solução. — Não sei. Não sei!
Toda vez que isso acontecia, de ele ser questionado e não ter uma resposta adequada para dar sobre o rumo de uma investigação, sentia-se irritado. Mas o delegado se irritava era consigo mesmo, por questões profissionais, e não com seu interlocutor. Talvez porque, diferentemente de muitos colegas de profissão, o dr. Asdrúbal não conseguia disfarçar a incompetência manipulando informações. — Se eu soubesse onde ele está, seu Leandro, nós não estaríamos aqui a essa hora da madrugada, certo? — completou o delegado, num tom ríspido. Falou e notou o constrangimento que se seguiu. Os pais, infelizes, abraçados um ao outro... Talvez tivesse sido rude demais com os dois, que só procuravam consolo, refletiu. Tentou consertar o incômodo que sua irritação causara: — O que acho, para dizer a verdade, no que acredito, vejam bem, porque por enquanto — frisou — não há nenhuma prova e não quero enganar vocês, não quero alimentar nenhum tipo de esperança ou desespero... O que suponho, e apenas suponho, é que os bandidos estão só com o seu pai, dona Luci. Leandro respirou fundo. Encheu os pulmões porque sabia que iria precisar de muita coragem para fazer a pergunta que não conseguia calar dentro de si. Uma pergunta que, com certeza, Luci estaria fazendo a si mesma. Começou a falar devagar, escolhendo bem as palavras: — Dr. Asdrúbal, por favor. O senhor não quer dizer... Eles não mencionarem nada no bilhete... Não quer dizer, com isso, que pode ter acontecido algo ruim com meu... — Calma, calma aí, gente — apressou-se o delegado. — Está vendo?! Foi por isso que pedi a vocês que não perguntassem o que não deviam antes da hora, atropelando os fatos. Por favor, não comecem a fazer suposições. A mim cabe fazer suposições, não a vocês. Até o momento, não temos prova de nada, repito. — Mas, dr. Asdrúbal — insistiu Luci, já não se importando se sua insistência fosse irritar ainda mais o delegado —, por que não escreveram uma só palavra sobre meu filho? Não é estranho? — Eu não estaria sendo profissional se dissesse a vocês o que acho ou deixo de achar. Meu trabalho se baseia em fatos, dona Luci. Fatos concretos. E o que temos são sequestradores avisando que em breve farão um novo contato. Nesse novo contato, provavelmente, irão exigir as condições para libertarem seu pai. É tudo que temos. Assim que o delegado terminou, seguiu-se um longo silêncio. Só se ouvia o ronco surdo do motor do bebedouro, como se a cada giro que desse para resfriar a água tivesse que raspar em algo. Em pé, um delegado sentindo-se um tanto culpado por, por enquanto, saber
tão pouco sobre o caso. Ao seu lado, os pais de um menino desaparecido, nem sequer mencionado no bilhete dos sequestradores. Em torno de um bebedouro velho, numa madrugada fria na pequena delegacia do interior. O delegado, de repente, deu um chute no bebedouro e saiu.

* * *

Depois do chute no bebedouro, o dr. Asdrúbal lançou o copo descartável no cesto de lixo, mas errou o arremesso. O cesto repleto de copos vazios, amontoados ali, desde a última ronda da faxineira. Enquanto saía, olhou de relance para o pai de Cláudio Renato. Assim como Leandro, ele também era pai. Sabia ou, pelo menos, conseguia imaginar seu sofrimento. O desespero que devia estar sentindo, e que a mãe também sentia, por terem arrancado deles o filho de uma forma tão violenta como um aborto extemporâneo. "Por que a vida é assim?", quase resmungou em voz alta. Deu alguns passos em direção à sua sala, mas subitamente parou. Voltou-se para Leandro e, como se houvesse esquecido algo importante a dizer, pôs a mão sobre o ombro dele. Num tom afável de voz, mesmo sabendo que não estava sendo lá muito profissional, tentou consolar aqueles pais com o pouco que tinha. Ou, melhor, com o pouco que sabia ou em que queria acreditar: — Fiquem certos, toda a polícia está empenhada em resolver o caso. Todos os esforços estão sendo feitos. Estamos tendo a colaboração de outras delegacias, inclusive a unidade de sequestros. Muito em breve, vocês terão os dois, o avô e o garoto juntos, ao lado de vocês. Podem confiar. Ainda fazendo ver sua experiência profissional, o dr. Asdrúbal completou: — O fato de não mencionarem o garoto no bilhete deve ser porque não sabem do seu paradeiro. É com essa hipótese que estamos trabalhando. Se estivessem com ele e acontecesse algo mais grave no cativeiro, nesse caso o que essa gente faz é blefar. Agem como se nada tivesse acontecido e o incluem no bilhete. O que temos quase certeza é de que os bandidos não são do ramo do sequestro, e essa é uma hipótese bastante provável. Mas isso não quer dizer que melhora ou piora a situação. De todo jeito, vamos pedir notícias do garoto. O dr. Asdrúbal sabia mais sobre o caso, é claro. Tinha lá suas conjecturas. As averiguações estavam em andamento em várias frentes. Porém, por enquanto, era preferível ser prudente com aqueles pais e não revelar mais do que
já revelara. Ainda assim, disse: — Confesso a vocês que acho que o garoto está perdido por aí, zanzando em algum lugar dessa serra. Dito isso, ele recolheu o copo do chão e o enfiou no cesto, pressionando com ele os outros copos para o fundo, que estralavam e se amassavam uns nos outros. Fez um ligeiro aceno com a cabeça e falou educadamente: — Agora, por favor, vocês poderiam me dar licença? Preciso trabalhar.

Quando o dr. Asdrúbal fechou a porta atrás de si, Luci e Leandro se abraçaram. Abraçaram-se, ao mesmo tempo se beijaram e começaram a chorar, pedindo calma um ao outro, secando as lágrimas um do outro. Decidiram confiar no delegado. Resolveram acatar sua sugestão de voltar o mais depressa para casa. A vontade de ficar na delegacia ou na chácara, o desejo de permanecer o mais próximo possível do dr. Asdrúbal, afinal não iria ajudar muito, como o próprio delegado dissera. O mais sensato era retornarem rapidamente para o caso de um eventual contato dos sequestradores ser feito em casa. O dia estava clareando quando os pais de Cláudio Renato chegaram em casa. Fizeram o caminho de volta sem pronunciar uma palavra. Luci chorando baixinho a viagem toda. Leandro abriu o portão da garagem e entrou com o carro. Antes de descer, Luci pegou no banco de trás a mochila de Cláudio Renato com as roupas que ela havia separado para ele. Foram direto para o quarto vazio do filho. Luci, chorando, começou a desfazer a mochila e a recolocar uma a uma as roupas no armário. Leandro também chorava.


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