Depois que Cláudio Renato descobriu o mundo dos games de ação, até curtir as férias na chácara do querido avô passou a ser um tédio. Legal mesmo é ficar no próprio quarto mergulhado num jogo eletrizante, descobrindo golpes irados e batendo recordes. Adrenalina maior ele vai sentir ao fugir de sequestradores de verdade e acabar perdido na mata. O avô ficou nas garras dos bandidos. O que fazer? É aí que algo fantástico acontece... Com a ajuda de seu videogame portátil, Cláudio Renato vai parar em outra dimensão, dentro de um jogo! Nesse mundo virtual, ele terá de aprender a passar de fases e marcar pontos. Mas como isso pode ajudá-lo a salvar o avô? Descubra nessa aventura que mistura fantasia e investigação policial. Quer entrar nesse game? Para dar start basta abrir o livro.
Afonso Machado nasceu no interior de Minas Gerais, mas foi na capital paulista que passou parte da infância e toda a adolescência.
É autor de contos e romances para o público adulto. O mestre dos games é seu primeiro livro juvenil e foi escrito em Embu Guaçu (SP), onde vive atualmente.
game da vida
O homem desce do carro para fechar o portão > do canto da tela aparecem três bandidos ninjas > um deles derruba o homem, que cai no chão e leva vários chutes > ele tenta se levantar e é derrubado de novo > mais chutes, sangue e gritos > o herói vê a cena e se aproxima > prepara-se para reagir e salvar o homem, que precisa de sua ajuda > os bandidos ninjas estão armados > cuidado! > um tiro é disparado contra o herói... Apertar as teclas rapidamente, superar dificuldades, enfrentar o perigo, criar estratégias, surpreender o inimigo, não cometer nenhum vacilo, escolher a melhor forma de atacar, vencer o combate. Ah, os games de ação têm tanta emoção! Mas, espera! A cena que se passa é real. Os bandidos são cruéis e a violência é brutal. O sangue é de verdade e os gritos são de dor. Está acontecendo na realidade. Um sequestro! E o homem que apanha dos bandidos é o meu avô, meu querido vovô! É assim que Cláudio Renato, viciado no mundo virtual dos games de ação, sente a realidade cair em cima dele com toda a sua violência. Depois de varar mais uma noite jogando no seu videogame e tendo levantado de madrugada para sair com o avô, ainda não está completamente desperto, a cabeça nos jogos de ação, quando a fatalidade acontece. É preciso ser muito rápido, a bala vem em direção ao herói, e o herói é ele! Esse é apenas o primeiro desafio que Cláudio Renato terá de enfrentar se quiser preservar a vida e salvar a do avô. Segure-se, porque vem muito mais ação e suspense nas próximas páginas.
1. Ninjas
O videogame de última geração; com controle sem fio, foi instalado no quartinho dos fundos, na televisão mais velha da chácara. Cláudio Renato gostava de se sentar no chão para jogar. Depois, quando se levantava e olhava pela janela, a primeira coisa que via eram os dois tocos pintados de branco que serviam como traves. A chácara era grande, havia as árvores frutíferas que o avô plantara, além de outras tantas que, desde que o mundo é mundo, sempre estiveram por lá. O quintal era meio inclinado, mas uma parte dele — do lado esquerdo de quem olhasse da janela — era plano, a grama baixinha, perfeita para Cláudio Renato dar seus chutes na bola oficial de couro que trouxera de casa. Porém, precisava dar os chutes bem calibrados, fortes e certeiros, senão a bola podia bater no viveiro dos pássaros, ou na casinha do Chupisco, ou subir muito e cair do outro lado, na chácara vizinha. Precisava dar o chute de um jeito que a bola passasse entre os tocos brancos marcando o gol. Mas, para Cláudio Renato, não bastava marcar o gol, era preciso fazer que a bola passasse entre os tocos com força suficiente para bater no muro e voltar até ele, para poder, assim, dar outro chute sem precisar buscá-la. Quando isso acontecia, quando marcava o gol e a bola voltava redondinha, bem no jeito para outro chute, só então é que ele dava um soco no ar comemorando. Mais para o fundo do quintal, já bem próxima de um riacho que delimitava a chácara, ficava a árvore que ele achava a mais bonita de todas: a quaresmeira. Sempre no verão, quando ia passar as férias de fim de ano com o avô, a árvore resolvia dar seu show de delicadeza e graça, exibindo-se com cachos e mais cachos de flores roxas, brancas e azuis, que iam caindo sobre as placas de cimento; tingindo o chão, como se quisessem cobrir toda a terra com um tapete colorido. O videogame caríssimo, o mais recente lançamento do mercado, ele ganhara do tio André, no Natal. Tio André também lhe dera, anos atrás, seu primeiro jogo eletrônico: um videogame portátil. Na época, acompanhado de um cartucho com o Jogo da Selva. Assim, toda vez que chegava uma encomenda pelo correio, Cláudio Renato percebia seus pais meio que torcerem o nariz para os presentes de tio André. Também, pudera. Tio André era considerado o intelectual da família. Estudava Física nos Estados Unidos. Luci, mãe de Cláudio Renato, não se
conformava com o fato de que, no lugar de livros, o irmão sempre presenteasse o filho dela com jogos eletrônicos, justificando que, além de possibilitar ao jovem vivenciar outras realidades, aquilo era um bom treino para os reflexos do sobrinho.
* * *
Do que Cláudio Renato mais se recorda nem é tanto do jogo em si, mas sim de seu avô entrando no quartinho dos fundos. O avô, com a voz abafada pelos sons metálicos do videogame, pedindo para ele parar; já estava jogando há bastante tempo, que estava se viciando, se iria passar as férias inteiras preso ali naquele quarto. Pedindo para ele, pelo menos, tirar os olhos da tela e prestar atenção no que estava dizendo. E quando Cláudio Renato realmente conseguia ouvir aquela voz que parecia vir das profundezas, dos labirintos escuros, dos abismos sem beiras e obstáculos sem fim, então compreendia que era o avô chamando, propondo: "Que tal ir ao pesqueiro amanhã?". O garoto levantava os olhos, via de relance o quintal, a bola de couro encostada no muro e, no fundo, a quaresmeira. A monotonia repetitiva das flores caídas no chão... Tudo o que mais queria na vida (seu desejo secreto do momento) era que o avô saísse do quarto e o deixasse em paz para terminar o jogo. "Só mais esse, vô."
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