4. O mundo numa tela
Por onde anda Cláudio Renato? Talvez esteja em pânico, chorando, amedrontado. Seguindo sem rumo por uma trilha deserta, indo cada vez mais para dentro da mata. Quem sabe, depois de ter passado por uma carcaça de carro queimado, jogada no mato, esteja parado diante de uma encruzilhada... Norte, Sul, Leste, Oeste. Aflito, talvez conclua que tanto um lado como outro o levará cada vez mais longe do avô. Ou, ainda, já percebeu que realmente não mais o seguiam e o tiro não o atingira, porque continuava vivo: sim, vivo! Mais vivo do que nunca: apalpou novamente o corpo; tudo estava em seu lugar. E, diminuindo a velocidade, quase andando, respirando aos trancos, tamanho o esforço, sentindo cãibra nas pernas, o pé descalço em carne viva, intuiu, assim como os gatos, os cachorros e os pombos-correios intuem, o caminho de volta. O caminho que o levaria para a chácara. Repentinamente, lembrou-se do avô em perigo. Correu de volta porque não podia perder nenhum segundo. Fez um esforço ainda maior para vencer o cansaço. Tanto correu que chegou a tempo de espreitar de longe os bandidos, exatamente quando colocavam o avô no porta-malas do carro. E, sem que se deixasse ver, esgueirando-se por entre as árvores do bosque, pôs-se a segui-los como um detetive. Precisava descobrir para onde estariam levando o avô. O que iriam fazer com ele. Precisava de todo jeito seguir aquele carro para salvar o avô. É possível também que Cláudio Renato ainda tenha nas mãos o game portátil. Sendo assim, é como se visse a si próprio numa tela. Como se o mundo inteiro coubesse nessa tela. Como se estivesse num filme contracenando consigo mesmo e com todas as coisas que existem ao redor, projetadas nessa tela, tal como são na vida real; os mesmos tamanhos, cores e sons. Ele ali, vendo sua própria imagem interagir com o mundo. Aos poucos, começando a perceber que o que está fazendo nada mais é do que jogar um jogo. Um jogo no qual está inserido, em carne e osso. Que começou no portão em frente à chácara, prosseguiu com a fuga e, naquele momento, está em stand-by. A fase anterior do jogo, a da fuga e correria, Cláudio Renato vencera. Sim, vencera muito bem! Fizera mais de mil pontos, o mostrador no canto registrava:
Jogando como jogara, concluiu, o tiro jamais o atingiria. Jamais aqueles ninjas iriam alcançá-lo. Mas, agora, está para começar uma nova fase. Cláudio Renato se vê, então, caminhando a passos rápidos numa trilha no meio da floresta, depois de ter passado por um carro queimado. Para, de repente. À sua frente, uma encruzilhada. Está atento, o olhar percorre tudo ao redor, capta todos os pontos da tela, porque não pode deixar escapar nada. A qualquer momento — de uma curva no caminho, do alto da copa de uma árvore, de dentro de um arbusto, de um buraco no chão, de um beco, do nada — poderá surgir algo que o surpreenda. E ele não pode ser surpreendido, de maneira nenhuma! Não pode perder a vida; precisa passar até a última fase para salvar o avô. Há muito, Cláudio Renato perdera o carro de vista. Porém, assim como conseguiu vencer a primeira fase, também irá vencer a segunda — ele próprio se encoraja — e encontrará novamente o carro e o avô. Pensando assim, sentese mais confiante. Só é preciso jogar o jogo como se deve, sem cometer erros. É quando Cláudio Renato, parado diante da encruzilhada, decide por apertar várias teclas ao mesmo tempo. A sua agilidade em apertá-las é tamanha que faz que comece a se ver dando passos rápidos em direção à encruzilhada. Norte, Sul, Leste, Oeste. Sua intuição diz para seguir à esquerda. Talvez o carro tenha ido por esse lado. Seus passos começam a ganhar ritmo, a ganhar velocidade, a marcar pontos. O mostrador, no canto, está pulsando:
Então, subitamente, Cláudio Renato depara com uma nova paisagem. Irreconhecível! Na tela, em torno dele, outro cenário, que contém todas as cores do arco-íris. Algo como nunca havia visto antes, nem mesmo no cinema. Como se passasse para uma nova dimensão no espaço. Um mundo estranho, secreto, diferente...
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