18. Mosca azul
— Elementar, meu caro... Como diria o colega famoso: elementar... — repetiu o dr. Asdrúbal, espantando a mosca para longe. — Já posso informar o secretário de que as investigações sobre o sequestro estão numa etapa conclusiva, graças tão somente à equipe do 1º DP — completou com certo orgulho o delegado, dando pancadinhas com a lapiseira nas folhas rabiscadas sobre sua mesa. Sentados à sua frente, dois de seus melhores investigadores. Pairando sobre suas cabeças, como helicóptero, uma mosca azul, brilhante. — Pistas quentes — disse o investigador moreno. — Do crime para o criminoso, a distância é mínima — completou o investigador loiro olhando para o alto e seguindo a mosca que teimava porque teimava em participar da reunião. — Porém... Sempre há um porém — voltou a falar o delegado sendo o porém a grande interrogação do caso... E o garoto? — Olhando para a mosca, dando sinais de impaciência, o dr. Asdrúbal levantou a voz: — Onde se enfiou esse garoto? No silêncio que se instaurou com a pergunta, só se ouvia o zumbido de asas do inseto. O dr. Asdrúbal debruçou-se sobre as folhas rabiscadas com o relatório para o secretário, virou-se para o investigador moreno, que seguia o voo com os olhos, e disse: — Presta atenção aqui, por favor! Concordo com você. Se houve fuga no ato do sequestro, ou se a fuga aconteceu horas ou dias depois, isso não importa. Podemos afirmar com boa margem de segurança que, se houve fuga, de uma forma ou de outra, ele já teria sido encontrado. É isso o que não se encaixa! Onde se enfiou esse garoto? Toda a área havia sido vasculhada. Trechos e trechos da mata esquadrinhados pelo corpo de bombeiros, pela polícia e até por helicópteros em missão especial. — Delegado, eu coloco minha mão no fogo — opinou o investigador loiro. — Coloco minha mão no fogo, aposto com quem quiser, quanto quiser, que o garoto não está com os bandidos! Com eles não está, isso eu garanto. Pelo menos, não está no lugar onde escondem o avô.
Desde que a polícia localizara o barraco e passara a vigiá-lo noite e dia, nenhum dos investigadores havia percebido qualquer movimentação que evidenciasse a presença de Cláudio Renato ali, encarcerado junto com o avô. Era exatamente esse o motivo que estava retardando a Operação Resgate (já toda desenhada a lápis nos mínimos detalhes sobre a mesa do dr. Asdrúbal, para ser submetida ao secretário). Por prudência, o delegado decidira "estourar" o cativeiro só depois que tivesse pistas concretas do paradeiro do garoto. Antes disso, qualquer ação precipitada poderia colocar vidas em risco. — Onde se enfiou esse garoto? — repetiu a pergunta o dr. Asdrúbal. Pergunta sem resposta que vinha martelando sua cabeça. Para o delegado e os investigadores reunidos em sua sala, encontrar Cláudio Renato tomara-se uma questão de honra. As várias diligências da polícia e dos demais órgãos de apoio, além de todas as hipóteses levantadas sobre seu paradeiro, nada mais eram, até o momento, do que peças de um quebra-cabeça que mesmo o dr. Asdrúbal, com toda a experiência de anos lidando com casos parecidos, não conseguia montar. Desde que um dos investigadores escondido na chácara de seu Vito flagrou, no ato, a pedra ser lançada na varanda (comprovando a máxima, como afirmou no dia o dr. Asdrúbal, de que "o criminoso sempre volta ao local do crime"), imediatamente a polícia se pôs no encalço dos bandidos. Seguiu pistas cuidadosamente e localizou, dias depois, o barraco que servia de esconderijo (comprovando também a hipótese do delegado de que se tratava de uma quadrilha de principiantes). — Eu já teria "estourado" o cativeiro e os bandidos já estariam presos — afirmou o dr. Asdrúbal — se esse garoto estivesse lá, junto do avô. Essa era a grande questão que atormentava os policiais, Cláudio Renato não estava no barraco e também não estava em nenhum outro lugar. Pelo menos, num raio de centenas de quilômetros. O dr. Asdrúbal continuou, como se falasse consigo mesmo: — Se tivesse levado um tiro... Vamos, vamos rever mais uma vez essa hipótese do tiro: o corpo, então, teria sido encontrado! — Como eu disse, delegado, é minha suposição — começou a falar o investigador moreno. — A quadrilha negociou o garoto com outra quadrilha de sequestradores, esta, sim, de profissionais. — Não sei. Pode ser, pode não ser — completou o parceiro de trabalho, balançando a cabeleira loira de um lado para outro, afugentando a mosca que havia reaparecido quase em cima dele. Depois, disse: — Só se eles estiverem aguardando o desfecho do sequestro do avô para começar a agir, dando início a
outro processo de extorsão. — Esperem aí! — o dr. Asdrúbal interrompeu. — Existe uma outra suposição, uma última suposição... — O delegado começou a falar, mas se calou em seguida, pois se tratava de uma hipótese que ele preferia nem imaginar: a possibilidade era remota, ainda assim não descartável, de parte da polícia — agentes de outras corporações que estavam participando das buscas — estar envolvida com o sequestro. Os dois policiais esperavam atentos que o delegado completasse a frase com a última tal suposição. Mas o dr. Asdrúbal, distraído com a mosca, limitou-se a dizer: — Esqueçam, esqueçam. O investigador loiro se pôs de pé. Na mão, uma pasta de cartolina para tentar golpear a mosca. — Sente-se aí! — gritou o delegado. Depois de uma pausa, prosseguiu: — Como se não bastasse o sumiço do garoto — lentamente foi levantando a cabeça, seguindo o voo da mosca e, mudando o tom de voz, gritou: —, nem o tal joguinho encontramos! Nem o... — Videogame, delegado — completou o investigador moreno. Um videogame portátil, único objeto do qual os pais de Cláudio Renato notificaram a falta, após as averiguações na chácara de seu Vito. Continuou o delegado: — Se nem esse... Como é mesmo? — Videogame — repetiu o investigador loiro. — Se nem esse treco encontramos, nem isso tivemos a capacidade de encontrar, o que dizer de encontrar o garoto? — Por favor, delegado, por favor. Um pé do tênis encontramos! — apressou-se em lembrar o investigador loiro, ciente da pobreza das provas. — Só se o garoto foi abduzido por um disco voador — sugeriu seu colega rindo, tentando fazer graça para quebrar o clima de impasse que se instaurara na reunião. — Ou só se ele está numa outra dimensão — disse, novamente de pé, seu parceiro de trabalho, embarcando na brincadeira e tentando se aproximar da mosca, que, rápida, antes do golpe com a pasta, fugiu para longe. O dr. Asdrúbal estava preocupado com as tantas suposições improváveis que giravam e giravam em sua cabeça, sem nunca levar a lugar nenhum. E ia dar por encerrada a reunião quando ouviu tocar o telefone. Antes de atender,
gritou: — Mata logo esse bicho, já está me enchendo o saco!
* * *
— Dr. Asdrúbal? É Luci, mãe do Cláudio Renato. Nada ainda, dr. Asdrúbal? — Ô, dona Luci. Eu disse que telefonaria se tivesse alguma notícia. A senhora já ligou hoje de manhã, não foi? Não retornei a ligação porque não surgiu nada de novo. — Mas, delegado, está passando da hora de fazerem contato, de darem notícia sobre meu filho, não está? — Mas não fizeram isso, não é mesmo, dona Luci? Essas coisas são assim. É preciso ter paciência. — Paciência, paciência... O que aconteceu com o meu filho? Por que nada, ainda? E vem o senhor outra vez com essa história de paciência! Luci mal concluiu a frase e já começava a soluçar. O dr. Asdrúbal ouviu vozes. Com certeza ela falava com o marido e chorava ao mesmo tempo. Decidiu conter o ímpeto de encerrar a ligação naquele instante. Por uma sensação de culpa, por consideração pelo problema que os pais estavam enfrentando, por sentir pena, pena mesmo (embora não gostasse de usar o termo) da situação em que aqueles pais se encontravam, achou melhor esperar o tempo que fosse preciso para terminar aquele choro. Ouviu então um ruído no aparelho e, em seguida, a voz que já previra: — Aqui é o Leandro quem fala, dr. Asdrúbal. Não sei se a Luci disse ao senhor... estou tentando levantar o dinheiro. Mas é impossível, completamente impossível, dr. Asdrúbal. Nem de longe vou conseguir o que eles pediram. No máximo uns dez, vinte por cento. Minha mulher está se desesperando com isso. Estive pensando: e se a gente propuser uma parte, depois outra... em prestações? — Não, não, seu Leandro. Não é assim que as coisas funcionam. Como eu disse, se o senhor der algum dinheiro, corremos o risco de a negociação emperrar, de eles pedirem mais, aumentarem o valor. Acho melhor você continuar tentando. — Impossível, delegado. Impossível! Foi nesse momento que o dr. Asdrúbal sentiu vontade de dizer a eles que os bandidos já estavam sob a mira da polícia havia tempo. E que se não fosse, justamente, a questão do desaparecimento do garoto, tudo já estaria resolvido.
Quase poderia afirmar, com grande margem de segurança, que conseguiria facilmente desarmar aquele bando de incompetentes e libertar o avô, são e salvo. Para isso, não precisava de dinheiro nenhum. Mas — refletiu o delegado — que inferno iria criar na cabeça daqueles pais se dissesse que a única pista que tinham do garoto era um mísero pé de tênis? Interrompeu então seus pensamentos: — Calma, calma, seu Leandro. Está tudo sob controle — disse o dr. Asdrúbal. — Sobre a questão do dinheiro, seu Leandro, o senhor já recorreu aos amigos, aos parentes? Foi aos bancos? Talvez esteja na hora de ir. Veja em que condições emprestariam, sei lá, uma parte. Talvez não seja bom revelar o motivo do empréstimo. Nem sempre funciona. Mas não se precipite, por favor, e não assine nada, nada, nenhum papel, nenhum compromisso de dívida ou coisa do gênero. Aguarde instruções minhas. Luci voltou ao telefone: — Meu irmão que mora nos Estados Unidos, dr. Asdrúbal, está enlouquecendo. Ele queria vir e nós dissemos a ele que não, que ficasse, para que pudesse enviar o dinheiro que gastaria com as passagens. Mas é muito pouco, ainda é muito pouco o que temos, dr. Asdrúbal. Não temos recursos, somos pobres... — Paciência, paciência, dona Luci. Eu sei, é difícil, eu sei. Quando o delegado terminou de falar, já se apressando para encerrar a ligação, ouviu, ao fundo, aquele choro: o choro sentido de uma mãe. Choro de cortar o coração. O dr. Asdrúbal lembrou-se então de seus filhos, de seu lindo casal de filhos. Era tal desespero e aflição que fez, meio precipitadamente, o delegado se levantar e derrubar o aparelho no chão para quase estapear aquela mosca irritante! E, contra tudo que havia planejado e colocado no papel, ter uma atitude repentina e totalmente inesperada. Ele se abaixou, pegou o aparelho e o colocou de volta na mesa, batendo com força o fone no gancho. Conferiu se o revólver estava carregado, fazendo mira, por um segundo, na direção da mosca azul, que voou para a janela, saindo em direção à rua. A sorte estava lançada. Agora era tudo ou nada, decidira o dr. Asdrúbal. Vestiu o paletó e saiu rapidamente, seguido pelos dois investigadores, que já adivinhavam para onde estariam indo.
* * *
Antes que terminasse a rua sem saída, o delegado desligou o motor da viatura. O carro, num embalo silencioso, foi parando devagar. Os três policiais desceram. Fecharam as portas com cuidado e deram início à longa caminhada em direção ao esconderijo. No final da rua, seguiram por uma trilha estreita. Entraram na mata. Subiram e desceram morros, com o delegado arrastando uma barriga avantajada, enxugando o suor com um lenço branco, amarrotado, fazendo que os dois investigadores vez ou outra tivessem que esperar por ele. Foi quando receberam um sinal pelo rádio: acabavam de ser informados de que o elemento que supostamente chefiava a gangue chegara escancarando a porta, dando início a um princípio de confusão. O que fez que o delegado se esforçasse ainda mais nas subidas, e nas descidas mais despencasse do que corresse, já suando por todos os poros. Munidos de binóculos, dois policiais do grupo de apoio, no posto de observação montado a uma distância prudente do esconderijo, mantinham pelo rádio o delegado informado da movimentação dos bandidos: agora se ouviam sons vindos do barraco, aumentando, assim, perigosamente, a tensão. Era justamente o que o dr. Asdrúbal mais temia, Que a reação do chefe, por estar se sentindo pressionado para dar notícias do garoto, pudesse, de alguma forma, colocar em risco a vida de seu Vito. Aquilo, porém, comprovava cada vez mais a hipótese de que o chefe da gangue desconhecia o paradeiro do garoto. Se aqueles fossem sons de gritos e palavrões, constituiriam, no caso, indícios perigosos, uma atitude típica de principiantes, gerada por raiva, medo, drogas, indicando desequilíbrio, descontrole. O dr. Asdrúbal, enxugando o rosto e o pescoço, apressou-se ainda mais e, já sentindo uma sede de camelo, ponderou consigo mesmo que uma coisa era certa: ele, o delegado responsável pelo caso, jamais iria permitir que o pior acontecesse, com ou sem o garoto. Quando chegou, enfim, ao posto de observação, o dr. Asdrúbal mal respirava. Rapidamente pegou um dos binóculos, tentando avaliar melhor a situação no esconderijo. Em seguida, consultando mapas e anotações e tomando grandes goles d'água diretamente da garrafa plástica, ordenou aos policiais que empunhassem as armas, porque, rastejando e com muito cuidado, deveriam se aproximar o máximo que pudessem e cercar o barraco por todos os lados. Contando o delegado, mais o investigador loiro e o moreno, eram, agora, cinco policiais ao todo, com munição pesada. Entre eles, um atirador de elite, com um rifle de repetição, calibre 12, com mira telescópica, enlaçado ao ombro. A Operação Resgate estava começando. Em breve, imaginou o dr. Asdrúbal (até para encorajar a si mesmo), o
cativeiro seria "estourado", os bandidos presos, a vítima posta em liberdade, tudo sem disparar um tiro! Conferiu o pente de balas pedindo a Deus que nem sequer uma gota de sangue fosse derramada. Disfarçando, para que os colegas não notassem, ele fez o sinal da cruz. Rapidamente, os policiais posicionaram-se a poucos metros do esconderijo, seguindo as instruções do delegado. Permaneciam agachados, protegidos pela vegetação rasteira e pelos troncos das árvores. Estavam tão próximos do barraco que podiam ouvir o som abafado das vozes. O dr. Asdrúbal ordenou, por sinais, que o atirador protegesse a retaguarda e ao mesmo tempo procurasse o melhor ângulo para ter como mira o vitrô. O passo seguinte: ele e os outros policiais cercariam o esconderijo, mantendo uma distância cautelosa, mas que permitisse uma rápida invasão. Sinalizou, erguendo o dedo, que ele próprio cuidaria da porta, a única porta, enquanto os outros três cobririam cada lado do barraco. Rastejando como cobras, evitando o mínimo ruído possível, cada um foi buscando a melhor posição. Em pouco tempo o barraco estava cercado, todos a postos e preparados para avançar, só aguardando a ordem do delegado.
Este, por sua vez, esforçava-se ao máximo para ouvir as vozes que vinham do esconderijo, como numa discussão distante. Embora não desse para entender o que diziam, ou discutiam, ele tentava identificar as pessoas para calcular a
localização exata de cada uma, a distância entre elas, supondo qual estaria em pé, qual estaria sentada. Principalmente, queria se assegurar de não estar ouvindo nenhuma voz de criança. Então, fez-se um silêncio absoluto. Tudo estava quieto. O sol castigava a colina. Toda a equipe era só ouvidos. Um som estranho, estridente, vindo talvez do alto das árvores, despertou a atenção do delegado. Parecia chegar cada vez mais perto. Seria um pássaro? Tentou localizar olhando para cima. O canto repetitivo de um pássaro, agudo como uma voz, nos galhos ainda mais altos? De repente, o baque surdo vindo do barraco.
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