9. Cimento fresco
Acordaram seu Vito de supetão. Ele demorou alguns segundos para perceber que as duas pessoas que o vigiavam o tempo todo no barraco estavam agachadas, muito próximas dele. — Tá respirando... Então tá vivo, ué! Era a primeira vez que olhava detidamente para elas. Embora usassem uma espécie de meia para cobrir o rosto, a proximidade permitiu que ele observasse os olhos, as bocas... Foi então que seu Vito descobriu algo que o fez mudar sua conduta naquela prisão: não eram exatamente dois homens como ele imaginava, e sim... uma moça e... um velho! Ela não teria mais do que dezesseis, dezessete anos; era jovem, muito jovem (o que era confirmado pela voz estridente que ouvia). Ele, velho, os olhos de um velho, o olhar cansado de um velho... Talvez tivesse a sua idade. Mas onde estaria o terceiro, o mais bruto deles? Seu Vito, evitando movimentos bruscos, foi percorrendo com os olhos todo o barraco. O mais bruto, sim! Porque, vendo os dois tão próximos, não podia acreditar que teriam sido capazes de fazer o que fizeram, de espancá-lo como espancaram. Não acreditava serem capazes nem sequer de matar uma mosca, não fosse para obedecer às ordens de um chefe. — Levanta! — ordenou ela, enquanto o parceiro apontava o revólver para a cabeça de seu Vito. — Levanta! — gritou mais alto. Todo o cuidado era pouco, pensou seu Vito. Pareciam mais apavorados do que ele. E, quando é assim, um gesto brusco ou um passo em falso poderiam ser mal interpretados. Seu Vito foi conduzido para fora do barraco. Sentia-se trêmulo, sem forças, a cabeça girando, mas não podia esmorecer. Se cambaleasse ali, poderia tomar um tiro pelas costas. Foi então que, do lado de fora, viu o que não queria ver. O terceiro deles, todo de preto, encostado num carro, parecendo gritar para ele. A cabeça coberta pelo gorro de lã espichado até o pescoço, com os dois buracos dos olhos. — Velho filho de um cão, venha cá! Seu Vito sentiu a moça empurrá-lo pelas costas. Quase tropeçou, mas continuou firme, sabe Deus como. Um descuido seria fatal. Um passo em falso e
poderia tomar um tiro. O chefe, com dois furos no gorro em torno dos olhos, começou a desamarrar suas mãos enquanto mais gritava do que falava: — Velho, chega mais! Você vai meter as mãos aí, e vai fazer isso agora. Assim, as duas abertas. — Mostrou como seu Vito teria de fazer. Era uma caixa pequena, de madeira, como aquelas de frutas, das feiras. Cheia de cimento fresco até a borda. As mãos espalmadas de seu Vito ficaram impressas no cimento. — Agora assina o nome aí, rápido! Assina e põe a data. Seu Vito assinou o nome arranhando o cimento com a ponta de um prego. Sulcos finos com seu nome e, acima, a impressão rombuda dos dedos. — Agora, a data, filho de um cão! A data! Mas a data ele não sabia. — Sai pra lá, velho! — Deu um empurrão violento em seu Vito, derrubando-o no chão. Colocou a caixa de cimento no porta-malas, entrou no carro e bateu a porta com força. Ligou o motor e saiu acelerando em disparada pela estrada de terra. A poeira que o carro deixou para trás subiu como uma nuvem densa, entrando em cheio nos olhos de seu Vito.
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