LVIII
JASON
ENTÃO ERA DIA DE TEMPESTADE. Austro, a versão romana do Vento Sul, estava dando audiência. Nos dois dias anteriores, Jason lidara com Noto. Embora a versão grega do deus fosse inflamada e ficasse com raiva rapidamente, ao menos era rápida. Austro… bem, nem tanto. Colunas de mármore branco e vermelho contornavam a sala do trono. O piso áspero de arenito soltava fumaça sob os sapatos de Jason. Vapor pairava no ar, como nas termas do Acampamento Júpiter, só que elas normalmente não tinham tempestades estalando no teto, iluminando o ambiente com relâmpagos desorientadores. Venti do sul rodopiavam pelo salão em nuvens de poeira vermelha e ar superaquecido. Jason teve o cuidado de não tocar em nenhum. Em seu primeiro dia ali, acidentalmente roçara a mão em um deles e ficara com tantas bolhas que seus dedos pareciam tentáculos. Nos fundos da sala ficava o trono mais estranho que Jason já vira — feito de partes iguais de fogo e água. O estrado era uma fogueira. Chamas e fumaça se misturavam para formar o assento. O encosto era uma agitada nuvem de tempestade. Os braços do trono chiavam nos pontos em que a água se encontrava com o fogo. Não parecia muito confortável, mas Austro estava relaxado como se estivesse pronto para uma tarde tranquila assistindo a uma partida de futebol. De pé, o deus teria cerca de três metros de altura. Uma coroa de vapor envolvia seu cabelo branco e desgrenhado. A barba era feita de nuvens que constantemente relampejavam e derramavam chuva no peito do deus, encharcando sua toga cor de areia. Jason se perguntou se era possível fazer uma barba de nuvem de tempestade. Imaginou que deveria ser irritante chover sobre si mesmo o tempo todo, mas Austro não parecia se importar. Lembrava a Jason um Papai Noel encharcado, embora mais preguiçoso do que alegre. — Então — a voz do deus ribombou como uma frente fria se aproximando. — O filho de Júpiter retorna.
Austro fez parecer que Jason estava atrasado. Jason sentiu-se tentado a lembrar àquele estúpido deus do vento que ele passara várias horas por dia lá fora esperando ser chamado, mas apenas fez uma reverência. — Meu senhor, já recebeu alguma notícia de meu amigo? — perguntou. — Amigo? — Leo Valdez. — Jason tentou ser paciente. — Aquele que foi levado pelos ventos. — Ah… sim. Ou melhor, não. Não tivemos nenhuma notícia. Ele não foi levado por meus ventos. Sem dúvida, isso foi trabalho de Bóreas ou de suas crias. — Hã, sim. Já sabíamos disso. — Este é o único motivo de tê-los hospedado aqui, é claro. — As sobrancelhas de Austro ergueram-se em direção à coroa de vapor. — Bóreas deve ser combatido! Os ventos do norte devem ser repelidos! — Sim, meu senhor. Mas, para combater Bóreas, precisamos tirar nosso navio do porto. — Navio no porto! — O deus se inclinou para trás e riu, a chuva pingando de sua barba. — Sabe o que aconteceu na última vez que navios de mortais entraram no meu porto? Foi um rei da Líbia… Psilo. Ele culpava a mim pelos ventos escaldantes que queimavam suas plantações. Dá para acreditar? Jason trincou os dentes. Ele sabia que Austro não devia ser apressado. Em sua forma de tempestade, ele era lento, quente e esporádico. — E você queimou essas plantações, meu senhor? — Óbvio! — Austro sorriu, bem-humorado. — Mas o que Psilo esperava com plantações no limiar do Saara? O idiota lançou toda a sua frota contra mim. Tinha a intenção de destruir minha fortaleza para que o vento sul nunca pudesse soprar outra vez. Eu destruí a frota, é claro. — É claro. Austro estreitou os olhos. — Você não veio com Psilo, veio? — Não, sr. Austro. Sou Jason Grace, filho de… — Júpiter! Sim, claro. Eu gosto de filhos de Júpiter. Mas por que seu navio ainda está no meu porto? Jason conteve um suspiro. — Não temos sua permissão para partir, meu senhor. Além disso, o navio
está danificado. Precisamos de nosso mecânico, Leo Valdez, para consertar o motor, a menos que o senhor conheça outra maneira. — Hum… — Austro ergueu os dedos e um redemoinho de poeira se formou entre eles, como uma batuta. — Sabe, as pessoas me acusam de ser inconstante. Às vezes, sou um vento escaldante, destruidor de plantações, o siroco da África! Em outras, sou calmo, anunciando as chuvas quentes de verão e os frescos nevoeiros do sul do Mediterrâneo. E fora de temporada, tenho um lugar encantador em Cancún! De qualquer forma, nos tempos antigos, os mortais tanto me temiam quanto me amavam. Para um deus, a imprevisibilidade pode ser uma força. — Então o senhor deve ser muito forte — disse Jason. — Obrigado! Sim! Mas o mesmo não se aplica aos semideuses. — Austro se inclinou para a frente, perto o suficiente para que Jason pudesse sentir o cheiro de terra molhada e praias de areia quente. — Você me lembra de meus próprios filhos, Jason Grace. Sempre vagando de um lugar a outro. Indeciso. Mudando a cada dia. Se pudesse escolher a direção do vento, para onde sopraria? O suor escorria pelas costas de Jason. — Perdão? — Você diz que precisa de um navegador. Que precisa da minha permissão. Eu digo que você não precisa de nada disso. É hora de tomar uma decisão. Um vento que sopra à toa não serve para nada. — Eu não… Eu não estou entendendo. Mas enquanto dizia isso, ele entendeu. Nico falara sobre não pertencer a lugar algum. Ao menos Nico estava livre de vínculos. Ele poderia ir para onde quisesse. Jason estava tentando decidir a qual lugar pertencia durante meses. Ele sempre se irritara com as tradições do Acampamento Júpiter, os jogos de poder e a luta interna. Mas Reyna era uma boa pessoa. Ela precisava de sua ajuda. Se ele desse as costas para ela… alguém como Octavian poderia assumir e destruir tudo o que Jason amava em Nova Roma. Poderia ser tão egoísta a ponto de partir? Só de pensar nisso sentia-se esmagado pela culpa. Contudo, no fundo de seu coração, ele queria ficar no Acampamento MeioSangue. Os meses que passara ali com Piper e Leo lhe pareceram mais gratificantes, melhores do que todos os anos no Acampamento Júpiter. Além
disso, no Acampamento Meio-Sangue havia ao menos uma chance de ele finalmente conhecer o pai. Os deuses quase nunca apareciam no Acampamento Júpiter para dar um oi. Jason inspirou profundamente. — Sim. Sei qual direção desejo seguir. — Ótimo! E o que mais? — Hã, ainda precisamos consertar o navio. Existe alguma…? Austro ergueu o dedo indicador. — Ainda esperando a orientação dos senhores do vento? Um filho de Júpiter deveria ser mais esperto. Jason hesitou. — Iremos embora, sr. Austro. Hoje. O deus do vento sorriu e abriu os braços. — Finalmente anunciou seu propósito! Então têm minha permissão para partir, embora não precisem dela. Como navegarão sem o seu mecânico, sem os motores consertados? Jason sentiu os ventos do sul sibilando ao seu redor, relinchando em desafio como garanhões teimosos testando sua vontade. Durante toda a semana ele esperara que Austro decidisse ajudá-los. Durante meses se preocupara com suas obrigações com o Acampamento Júpiter, esperando que seu caminho se tornasse mais claro. Agora percebia que devia simplesmente fazer o que quisesse. Ele tinha que controlar os ventos, e não o contrário. — Você vai nos ajudar — disse Jason. — Seus venti podem assumir a forma de cavalos. Você nos dará uma tropa para puxar o Argo II. Eles nos levarão até Leo. — Maravilhoso! — exclamou Austro, sua barba carregada de eletricidade. — Agora… você pode cumprir o que suas palavras corajosas prometem? Pode controlar o que deseja, ou será feito em pedacinhos? O deus bateu palmas. Os ventos rodopiaram ao redor de seu trono e assumiram a forma de cavalos. Não eram escuros e frios como o amigo de Jason, Tempestade. Os cavalos do Vento Sul eram feitos de fogo, areia e água fervente. Quatro passaram perto do garoto, o calor chamuscando os pelos de seus braços. Galoparam em torno das colunas de mármore, cuspindo chamas,
relinchando com o som das tempestades de areia. Quanto mais corriam, mais selvagens se tornavam. Eles começaram a encarar Jason. Austro coçou a barba chuvosa. — Você sabe por que os venti podem aparecer como cavalos, meu rapaz? De vez em quando nós, deuses do vento, viajamos pela terra na forma de equinos. Em algumas ocasiões, já fomos conhecidos por termos gerado os cavalos mais rápidos de todos. — Obrigado — murmurou Jason, embora seus dentes batessem de medo. — Muita informação. Um dos venti atacou Jason. Ele desviou para o lado, suas roupas fumegando com a proximidade do cavalo. — Às vezes — continuou Austro alegremente —, mortais reconhecem nosso sangue divino. Dizem: Este cavalo corre como o vento. E por um bom motivo. Assim como os garanhões mais rápidos, os venti são nossos filhos! Os cavalos de vento começaram a circular Jason. — Como meu amigo, Tempestade — arriscou ele. — Ah, bem… — Austro fez uma careta. — Infelizmente ele é um filho de Bóreas. Como você conseguiu domá-lo, jamais saberei. Mas estes são meus filhos, uma bela tropa de ventos do sul. Controle-os, Jason Grace, e eles tirarão seu navio do porto. Controlá-los, pensou Jason. Sei. Os venti corriam para todos os lados, frenéticos. Como seu mestre, o Vento Sul, estavam em conflito — metade um siroco quente e seco, metade um tempestuoso cúmulo nimbus. Preciso de velocidade, pensou Jason, preciso de propósito. Ele se concentrou em Noto, a versão grega do Vento Sul — escaldante, mas muito rápido. Naquele momento, ele escolheu o grego. Apostou no Acampamento MeioSangue, e os cavalos mudaram. As nuvens de tempestade dentro deles se dissiparam, restando apenas poeira vermelha e ondas de vapor, como miragens no Saara. — Muito bem — disse o deus. Noto estava sentado no trono agora, um velho de pele bronzeada usando uma chiton grega de fogo e uma coroa de cevada seca e fumegante na cabeça.
— O que está esperando? — perguntou. Jason voltou-se para os cavalos de vento e fogo. Subitamente, não tinha mais medo deles. Estendeu a mão. Um redemoinho de poeira disparou em direção ao cavalo mais próximo. Um laço — uma corda de vento, mais poderosa do que qualquer tornado — enrolou-se em torno do pescoço do animal. O vento formou um arreio e o cavalo parou. Jason invocou outra corda de vento. Ele laçou um segundo cavalo, submetendo-o à sua vontade. Em menos de um minuto, tinha amarrado os quatro venti. Ele os refreou. Ainda relinchavam e resistiam, mas não podiam romper as cordas. O garoto parecia estar empinando quatro pipas em um dia de vento forte — difícil, sim, mas não impossível. — Muito bem, Jason Grace — disse Noto. — Você é um filho de Júpiter, mas mesmo assim escolheu o próprio caminho, como todos os grandes semideuses fizeram antes de você. Não pode controlar a sua ascendência, mas pode escolher sua herança. Agora vá. Amarre seus cavalos à proa e direcione-os para Malta. — Malta? — Jason tentou se concentrar, mas o calor dos cavalos o estava deixando tonto. Ele não sabia nada sobre Malta, apenas uma vaga história sobre um falcão maltês. Será que o malte foi inventado lá? — Assim que chegarem à cidade de Valetta — disse Noto —, não precisarão mais destes cavalos. — Quer dizer que… vamos encontrar Leo? O deus tremulou, lentamente se dissipando em ondas de calor. — Seu destino está mais claro, Jason Grace. Quando tiver que escolher novamente entre tempestade ou fogo, lembre-se de mim. E não entre em pânico. As portas da sala do trono se abriram. Ao sentirem o cheiro da liberdade, os cavalos dispararam em direção à saída.
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