quarta-feira, 18 de abril de 2018

T1 N° 699 : A CASA DE HADES

LI

LEO

OS PRIMEIROS DIAS FORAM OS piores. Leo dormia ao ar livre, em uma cama de trapos sob as estrelas. Fazia frio à noite, mesmo estando na praia e durante o verão, então acendia fogueiras com os restos da mesa de jantar de Calipso. Isso o animava um pouco. Durante os dias, caminhava por toda a ilha mas nada despertava seu interesse — a menos que gostasse de praias e de mar sem fim cercando-o. Tentou enviar uma mensagem de Íris nos arco-íris que se formavam na espuma das ondas, mas não conseguiu. Não tinha nenhuma dracma para fazer o pagamento e, aparentemente, a deusa Íris não estava interessada em porcas e parafusos. Nem estava sonhando, o que era incomum para ele — ou para qualquer semideus — de modo que não tinha a mínima ideia do que estava acontecendo no mundo exterior. Teriam os seus amigos se livrado de Quione? Estariam procurando por ele ou navegaram para Épiro para completar a missão? Ele sabia o que esperar. O sonho que tivera no Argo II finalmente fazia sentido: a feiticeira malvada lhe dissera para pular de um penhasco entre as nuvens ou descer em um túnel escuro onde vozes fantasmagóricas sussurravam. Aquele túnel deveria representar a Casa de Hades, que Leo jamais veria. Preferira o precipício — caindo do céu naquela ilha idiota. Mas, no sonho, uma escolha lhe fora oferecida. Na vida real, não tivera uma. Quione simplesmente arrancara-o de seu navio e o lançara em órbita. Totalmente injusto. A pior parte de estar preso ali? Estava perdendo a noção dos dias. Certa manhã, ao acordar, não conseguia se lembrar se estava em Ogígia há três ou quatro noites. Calipso ajudou muito. Leo confrontou-a no jardim, mas ela apenas balançou a cabeça. — O tempo é complicado por aqui. Ótimo. Para Leo, um século poderia ter se passado no mundo real, e a guerra
com Gaia acabado, para o bem ou para o mal. Ou talvez só estivesse em Ogígia por cinco minutos. Poderia passar a sua vida inteira, tempo em que seus amigos no Argo II levariam para tomar o café da manhã. De qualquer maneira, precisava sair daquela ilha. Calipso teve pena dele. Enviou seus servos invisíveis para deixar tigelas de ensopado e taças de sidra de maçã na entrada do jardim. Chegou a enviar-lhe algumas mudas de roupa — simples, calças de algodão cru e camisas que ela devia ter feito em seu tear. Cabiam tão bem que Leo se perguntou como ela conseguira suas medidas. Talvez tenha apenas usado o seu molde genérico para MOLEQUE MAGRICELA. De qualquer modo, estava feliz por ter roupas novas, uma vez que as antigas estavam queimadas e muito fedorentas. Geralmente, conseguia evitar que as roupas queimassem quando pegava fogo, mas aquilo exigia concentração. Às vezes, no acampamento, quando se distraía trabalhando em algum projeto de metal na forja, olhava para baixo e percebia que suas roupas tinham queimado, com exceção de seu cinto de ferramentas mágico e uma cueca fumegante. Era meio constrangedor. Apesar dos presentes, obviamente Calipso não queria encontrá-lo. Certa vez, enfiou a cabeça dentro da caverna e ela ficou furiosa, gritando e atirando panelas em sua cabeça. Sim, ela definitivamente era Time Leo. Ele acabou montando acampamento perto da trilha, onde a praia e as colinas se encontravam. Assim, ficaria perto o bastante para pegar suas refeições, mas Calipso não o veria, evitando acessos de raiva e arremessos de panelas. Construiu uma cabana com madeira e lona. Cavou uma vala para a fogueira. Chegou a fazer um banco e uma mesa de trabalho com alguns troncos e galhos mortos de cedro. Passou horas consertando a esfera de Arquimedes, limpando-a e reparando seus circuitos. Construiu uma bússola, mas a agulha girava enlouquecida, não importando o que ele fizesse. Avaliou que um GPS também seria inútil. Aquela ilha fora projetada para ser indetectável, impossível de ser abandonada. Ele se lembrou do velho astrolábio de bronze que pegara em Bolonha — um dos anões lhe dissera que fora Odisseu quem o construíra. Suspeitava que Odisseu estava pensando naquela ilha quando o construiu, mas, infelizmente, Leo teve que
deixá-lo no navio com Buford, a Mesa Maravilha. Além disso, os anões afirmaram que o astrolábio não funcionava. Algo sobre um cristal que estava faltando… Caminhava pela praia, perguntando por que Quione o enviara até ali — supondo-se que seu desembarque na ilha não fora um acidente. Por que não apenas matá-lo? Talvez Quione quisesse que ele ficasse no limbo para sempre. Talvez soubesse que os deuses estavam incapacitados demais para prestarem atenção em Ogígia, de modo que a magia da ilha fora desfeita. Talvez por isso Calipso ainda estivesse presa ali e a jangada mágica não apareceria para Leo. Ou, talvez, a magia daquele lugar estivesse funcionando muito bem. Os deuses puniam Calipso enviando-lhe caras corajosos que a abandonavam assim que ela se apaixonava por eles. Talvez esse fosse o problema. Calipso nunca se apaixonaria por Leo. Queria que ele fosse embora. Então, estavam presos em um ciclo vicioso. Se esse era o plano de Quione… uau. Era um super plano do mal. Então, certa manhã, ele fez uma descoberta, e tudo ficou ainda mais complicado.
* * *
Leo caminhava pelas colinas, seguindo um pequeno riacho que corria entre duas grandes árvores de cedro. Gostava de lá, pois era o único lugar em Ogígia onde não dava para ver o mar e conseguia fingir que não estava preso em uma ilha. À sombra das árvores, quase sentia como se estivesse de volta ao Acampamento Meio-Sangue, caminhando pela floresta em direção ao bunker 9. Ele pulou o riacho. Em vez de aterrissar em terra macia, seus pés atingiram algo muito mais duro. CLANG. Metal. Empolgado, Leo cavou o musgo até ver brilho de bronze. — Uau, cara. Ria como um louco enquanto escavava. Não sabia por que aquele material estava ali. Hefesto sempre se desfazia de peças quebradas de sua oficina divina e enchia a terra de sucata, mas quais as
chances de algumas delas terem atingido Ogígia? Leo encontrou um punhado de fios, algumas engrenagens empenadas, um pistão que ainda poderia funcionar, e várias lâminas de bronze celestial martelado — a menor era do tamanho de um porta-copos, a maior, do tamanho de um escudo de guerra. Não era muito se comparado ao bunker 9 ou até mesmo ao seu estoque a bordo do Argo II. Mas era melhor do que só areia e pedras. Olhou para a luz do sol brilhando através dos ramos de cedro. — Pai? Se você enviou isto para mim, obrigado. Se não… bem, obrigado mesmo assim. Reuniu seu tesouro e o arrastou de volta ao acampamento. Depois disso, os dias passaram mais rapidamente e com muito mais barulho. Primeiro, Leo construiu um forno com tijolos de barro, que cozinhou um a um com as suas próprias mãos fumegantes. Encontrou uma pedra grande que poderia usar como base de bigorna, e tirou pregos de seu cinto de ferramentas até ter o suficiente para derretê-los em forma de uma superfície para martelar. Feito isso, começou a fundir a sucata de bronze celestial novamente. A cada dia, seu martelo golpeava o bronze até a pedra da bigorna quebrar, suas pinças dobrarem, ou ele ficar sem lenha. Todas as noites, ele caía na cama encharcado de suor e coberto de fuligem; mas sentia-se ótimo. Ao menos estava trabalhando, tentando resolver o seu problema. A primeira vez que Calipso veio vê-lo, foi para reclamar do barulho. — Fumaça e fogo — disse ela. — Retinir de metal o dia inteiro. Você está assustando os pássaros! — Ah, não, pobres pássaros! — resmungou Leo. — O que você espera fazer? Ele ergueu os olhos e quase esmagou o polegar com o martelo. Vinha olhando para metal e fogo por tanto tempo que se esquecera de quão bela era Calipso. Irritantemente bela. Ela ficou ali, com a luz do sol em seu cabelo, a saia branca ondulando em torno de suas pernas, uma cesta com uvas e um pão recém-assado debaixo do braço. Leo tentou ignorar que seu estômago roncava. — Espero sair desta ilha — respondeu ele. — É isso o que você quer, certo?
Calipso franziu a testa. Colocou a cesta perto de sua cama de trapos. — Você não come há dois dias. Faça uma pausa e coma. — Dois dias? — Leo nem notara, o que o surpreendeu já que gostava de comer. Estava ainda mais surpreso que Calipso tivesse notado. — Obrigado — murmurou ele. — Eu, hã, vou tentar fazer menos barulho com o martelo. — Hum. Ela não pareceu acreditar. Depois disso, Calipso não reclamou mais do barulho ou da fumaça. Na vez seguinte em que o visitou, Leo dava os retoques finais em seu primeiro projeto. Não a viu se aproximar até Calipso falar bem atrás dele: — Trouxe isso para você… Leo deu um pulo, deixando cair os seus fios. — Touros de bronze, garota! Não me assuste! Ela estava usando vermelho naquele dia, a cor favorita de Leo. Aquilo era completamente irrelevante. Ela ficava muito bem de vermelho. Também irrelevante. — Não estava tentando assustar — afirmou ela. — Vim lhe entregar isso. Ela mostrou as roupas que trazia dobradas: uma nova calça jeans, uma camiseta branca, uma jaqueta militar… espere, aquelas eram as suas roupas, só que não poderiam ser. Sua jaqueta do exército queimara meses antes. Ele não a estava usando quando desembarcou em Ogígia. Mas as roupas que Calipso trouxera eram exatamente como aquelas que usava no primeiro dia em que chegou ao Acampamento Meio-Sangue, só que essas eram maiores, redimensionadas para caberem melhor. — Como? — perguntou. Calipso colocou as roupas no chão e se afastou como se ele fosse um animal perigoso. — Sei um pouco de magia, sabe? Você vive queimando as roupas que lhe dou, então pensei em tecer algo menos inflamável. — Essas não vão queimar? Leo pegou a calça jeans que parecia ser feita de tecido normal. — São completamente à prova de fogo — prometeu Calipso. — Elas se manterão limpas e crescerão para se adaptarem a você, caso se torne menos
magrelo. — Obrigado. Queria soar sarcástico, mas estava sinceramente impressionado. Podia fazer muitas coisas, mas uma roupa autolimpante e não inflamável não estava na lista. — Então… você fez uma réplica exata de minhas roupas favoritas. Será que me pesquisou no Google ou algo assim? Ela franziu a testa. — Não conheço essa palavra. — Você me pesquisou — disse ele. — Quase como se tivesse algum interesse em mim. Ela torceu o nariz. — Tenho interesse em não ter que lhe fazer uma nova muda de roupas diariamente. Tenho interesse que não cheire tão mal e que pare de andar pela minha ilha em trapos fumegantes. — Ah, sim. — Leo sorriu. — Você realmente está se interessando por mim. O rosto dela ficou ainda mais vermelho. — Você é a pessoa mais insuportável que já conheci! Só estava retribuindo o favor. Você consertou a minha fonte. — Aquilo? Leo riu. O problema fora tão simples que quase se esquecera. Um dos sátiros de bronze virara de lado e a pressão da água estava baixa, de modo que a estátua começou a produzir um tique-taque irritante, balançando para cima e para baixo e jorrando água para fora do chafariz. Ele pegou um par de ferramentas e consertou em dois minutos. — Não foi nada de mais. Não gosto quando as coisas não funcionam direito. — E as cortinas na entrada da caverna? — A vara não estava nivelada. — E as minhas ferramentas de jardinagem? — Veja, só afiei as tesouras. Cortar vinhas com uma lâmina cega é perigoso. As tesouras de poda precisavam de lubrificação nas juntas e… — Ah, sim — disse Calipso, com uma boa imitação da voz de Leo. — Você realmente está se interessando por mim. Pela primeira vez, Leo ficou sem palavras. Os olhos de Calipso brilhavam. Sabia que ela estava debochando dele, mas de alguma forma não parecia
maldosa. Calipso apontou para a mesa de trabalho. — O que está construindo? — Ah. Leo olhou para o espelho de bronze, que ele acabara de ligar à esfera de Arquimedes. Na superfície polida da tela, seu próprio reflexo o surpreendeu. O cabelo crescera e estava mais encaracolado. O rosto estava mais magro e definido, talvez porque não estivesse comendo. Seus olhos estavam sombrios e pareciam um tanto ferozes quando não sorria — uma espécie de olhar de Tarzan, se Tarzan fosse um latino tamanho PP. Não podia culpar Calipso por rejeitá-lo. — Hã, é um dispositivo para ver — explicou. — Encontramos um como este em Roma, na oficina de Arquimedes. Se eu puder fazer isso funcionar, talvez descubra o que está acontecendo com os meus amigos. Calipso balançou a cabeça. — Isso é impossível. Esta ilha está escondida, afastada do mundo por uma magia poderosa. Nem o tempo flui da mesma forma por aqui. — Bem, você deve ter algum tipo de contato com o exterior. Como descobriu que eu tinha uma jaqueta assim? Ela torceu o cabelo entre os dedos, como se a pergunta a incomodasse. — Ver o passado é magia simples. Já ver o presente ou o futuro… não. — Bem — disse Leo. — Veja e aprenda, gata. Acabei de ligar estes dois últimos fios e… A placa de bronze piscou. Fumaça exalou da esfera. A manga da camisa de Leo pegou fogo. Tirou a camisa, jogou-a no chão e a pisoteou. Dava para ver que Calipso estava tentando não rir, mas ela tremia com o esforço. — Nem começa — advertiu Leo. Ela olhou para seu peito nu, suado, ossudo, marcado por velhas cicatrizes de acidentes na fabricação de armas. — Não há nada que mereça comentário — assegurou ela. — Se você quiser que o dispositivo funcione, talvez deva tentar uma invocação musical. — Certo — disse ele. — Quando um aparelho não funciona, gosto de sapatear ao redor dele. Sempre dá certo. Ela inspirou profundamente e começou a cantar.
Sua voz atingiu-o como uma brisa fresca, como a primeira frente fria no Texas, quando o calor do verão finalmente vai embora e você começa a acreditar que tudo pode melhorar. Leo não compreendia as palavras, mas a música era melancólica e agridoce, como se ela estivesse descrevendo um lar para o qual nunca pudesse retornar. Seu canto era mágico, sem dúvida, mas não era como a voz indutora ao transe de Medeia, nem mesmo semelhante aos encantamentos de Piper. A música nada queria dele. Simplesmente evocava suas melhores lembranças: construindo coisas com sua mãe na oficina, sentado ao sol com seus amigos no acampamento. Aquilo fazia com que sentisse saudades de casa. Calipso parou de cantar. Leo percebeu que estava olhando para ela como um idiota. — Algum avanço? — perguntou ela. — Hã… — Leo forçou os olhos de volta ao espelho de bronze. — Nada. Espere… A tela brilhou. No ar acima, imagens holográficas surgiram.
* * *
Leo reconheceu o refeitório do Acampamento Meio-Sangue. Não havia som, mas Clarisse LaRue do chalé de Ares gritava ordens para os campistas, reunindo-os em fileiras. Os irmãos de Leo do chalé 9 corriam, entregando armaduras e distribuindo armas para todos. Até mesmo Quíron, o centauro, estava vestido para a guerra. Trotava para cima e para baixo nas fileiras, com o capacete emplumado reluzente, suas cernelhas dotadas de protetores de bronze. Seu sorriso simpático habitual desaparecera, substituído por um olhar de sombria determinação. Ao longe, trirremes gregos flutuavam no mar em Long Island, preparados para a guerra. Ao longo das colinas, catapultas estavam sendo preparadas. Sátiros patrulhavam os campos, e os cavaleiros em pégasos circulavam no céu, atentos a ataques aéreos. — Seus amigos? — perguntou Calipso. Leo assentiu. Seu rosto estava dormente. — Eles estão se preparando para a guerra. — Contra quem?
— Veja — disse Leo. A cena mudou. Uma falange de semideuses romanos marchava através de um vinhedo iluminado pelo luar. Em um letreiro luminoso ao longe, lia-se: ADEGA GOLDSMITH. — Já vi esse letreiro — disse Leo. — Não fica longe do Acampamento MeioSangue. Subitamente, as fileiras romanas se deterioraram no caos. Os semideuses se espalharam. Escudos caíram. Dardos oscilaram loucamente, como se todo o grupo tivesse pisado em saúvas. Movendo-se sob o luar com rapidez havia duas pequenas criaturas cabeludas vestindo roupas descombinadas e chapéus extravagantes. Pareciam estar em todos os lugares ao mesmo tempo, batendo na cabeça dos romanos, roubando suas armas, cortando os cintos fazendo com que as calças caíssem. Leo não pôde deixar de sorrir. — Esses encrenqueiros adoráveis! Eles cumpriram a promessa. Calipso inclinou-se, observando os cércopes. — Primos seus? — Muito engraçado… não — disse Leo. — Dois anões que conheci em Bolonha. Pedi que atrasassem os romanos, e eles estão fazendo exatamente isso. — Mas por quanto tempo? — perguntou Calipso. Boa pergunta. A cena mudou novamente. Leo viu Octavian — aquele áugure louro com cara de espantalho. Estava no estacionamento de um posto de gasolina, rodeado por SUVs pretas e semideuses romanos. Ele ergueu um longo mastro envolto em tela. Quando o descobriu, uma águia dourada brilhava no topo. — Ah, isso não é bom — disse Leo. — Um estandarte romano — observou Calipso. — É. E esse atira raios, de acordo com Percy. Assim que disse o nome de Percy, Leo se arrependeu. Olhou para Calipso e viu em seus olhos o quanto ela estava lutando, tentando organizar suas emoções em fileiras ordenadas, como fios em seu tear. O que mais surpreendeu Leo foi a onda de raiva que sentiu. Não era apenas aborrecimento ou ciúme. Estava furioso com Percy por ter magoado aquela menina. Voltou a se concentrar nas imagens holográficas. Agora, via um único
cavaleiro: Reyna, pretora do Campo Júpiter, voando através de uma tempestade montada em um pégaso castanho-claro. O cabelo escuro de Reyna balançava ao vento. Seu manto roxo flutuava, revelando a armadura brilhante. Sangue escorria de cortes nos braços e no rosto. Os olhos de seu pégaso estavam arregalados, a boca tensa pela difícil cavalgada. Mas Reyna avançava com firmeza em meio à tempestade. Enquanto Leo observava, um grifo selvagem mergulhou das nuvens. Arranhou as costelas do cavalo, quase derrubando Reyna. Ela sacou a espada e matou o monstro. Segundos depois, apareceram três venti: espíritos da tempestade rodopiando como tornados em miniatura, enfeitados por raios. Reyna avançou contra eles, gritando em desafio. Então, o espelho de bronze escureceu. — Não! — gritou Leo. — Não, agora não. Mostre-me o que vai acontecer! — Ele bateu no espelho. — Calipso, pode cantar outra vez ou algo assim? Ela olhou feio para ele. — Suponho que seja a sua namorada. Sua Penélope? Sua Elizabeth? Sua Annabeth? — O quê? — Leo não conseguia entender aquela garota. Metade das coisas que ela dizia não faziam sentido. — Essa é Reyna. Não é minha namorada! Preciso ver mais! Preciso… PRECISO, uma voz ressoou no chão sob seus pés. Leo cambaleou, subitamente sentindo como se estivesse sobre um trampolim. PRECISO é uma palavra utilizada em excesso. Uma figura humana rodopiante irrompeu da areia: a deusa menos favorita de Leo: a Dama da Lama, a Princesa da Fossa Sanitária, a própria Gaia. Leo atirou um alicate em sua direção. Infelizmente, a figura não era sólida, e o alicate a atravessou. Seus olhos estavam fechados, mas não parecia exatamente adormecida. Tinha um sorriso estampado em seu rosto de redemoinho, como se estivesse ouvindo atentamente à sua música favorita. Suas roupas de areia se moviam e dobravam, lembrando as barbatanas ondulantes daquele estúpido e monstruoso Camarãozilla com quem lutaram no Atlântico. Mas Gaia certamente era mais feia. Você quer viver, disse Gaia. Quer se juntar a seus amigos. Mas não precisa
disso, meu pobre menino. Não faria diferença. Seus amigos morrerão de qualquer maneira. As pernas de Leo bambearam. Odiava aquilo, mas, sempre que aquela bruxa aparecia, sentia ter oito anos novamente, preso no estacionamento da oficina mecânica de sua mãe, ouvindo a voz calma e maldosa de Gaia enquanto sua mãe, trancada dentro do armazém em chamas, morria vítima do calor e da fumaça. — O que eu não preciso — rosnou —, é de mais mentiras vindas de você, Cara de Lama. Você falou que meu bisavô morreu na década de 1960. Errado! Você falou que eu não poderia salvar meus amigos em Roma. Errado! Você falou demais. O riso de Gaia era um farfalhar suave, como terra escorregando por uma colina nos primeiros momentos de uma avalanche. Tentei ajudá-lo a fazer melhores escolhas. Você poderia ter se salvado. Mas me desafiou a cada passo. Construiu o seu navio. Juntou-se àquela missão tola. Agora está preso aqui, impotente, enquanto o mundo mortal morre. As mãos de Leo explodiram em chamas. Queria derreter o rosto de areia de Gaia em vidro. Então, sentiu a mão de Calipso sobre o seu ombro. — Gaia. — A voz dela soava severa e firme. — Você não é bem-vinda. Leo desejou poder soar tão confiante quanto Calipso. Então lembrou-se de que aquela garota irritante de quinze anos era na verdade a filha imortal de um titã. Ah, Calipso. Gaia ergueu os braços como se fosse abraçá-la. Ainda aqui, pelo jeito, apesar das promessas dos deuses. Por que será, minha neta querida? Os olimpianos estão sendo vingativos, deixando-a sem nenhuma companhia afora esse baixinho idiota? Ou será que simplesmente se esqueceram de você porque não significa nada para eles? Calipso olhou diretamente através do rosto rodopiante de Gaia, em direção ao horizonte. Sim, murmurou Gaia com simpatia. Os olimpianos são infiéis. Eles não dão segundas chances. Por que manter a esperança? Você apoiou seu pai, Atlas, em sua grande guerra. Sabia que os deuses deviam ser destruídos. Por que hesita agora? Eu lhe ofereço uma chance que Zeus jamais lhe daria. — Onde esteve nesses últimos três mil anos? — perguntou Calipso. — Se você
se preocupa tanto com o meu destino, por que só veio me visitar agora? Gaia voltou as palmas das mãos para cima. A terra demora a despertar . A guerra virá no momento certo. Mas não pense que esquecerá Ogígia. Quando refizer o mundo, esta prisão também será destruída. — Ogígia destruída? — Calipso balançou a cabeça, como se não pudesse imaginar essas duas palavras juntas. Você não precisa estar aqui quando isso acontecer, prometeu Gaia. Junte-se a mim agora. Mate esse menino. Derrame o sangue dele sobre a terra e me ajude a despertar . Eu a libertarei e lhe concederei qualquer desejo. Liberdade. Vingança contra os deuses. Até mesmo um prêmio. Você ainda quer o semideus Percy Jackson? Eu o pouparei para você. Eu o ressuscitarei do Tártaro. Ele será seu, para ser punido ou amado, como desejar . Apenas mate esse menino invasor . Mostre a sua lealdade. Vários cenários passaram pela cabeça de Leo, nenhum deles bom. Tinha certeza de que Calipso o estrangularia ali mesmo, ou mandaria seus servos invisíveis de vento o transformarem em purê. Por que não o faria? Gaia estava lhe propondo o acordo ideal: mate um cara chato e ganhe um bonitão de graça! Calipso ergueu a mão em direção a Gaia em um gesto de três dedos que Leo lembrava do Acampamento Meio-Sangue: o antigo sinal grego contra o mal. — Esta não é apenas a minha prisão, avó. É a minha casa. E você é a invasora. O vento dissolveu a forma de Gaia em nada, espalhando a areia pelo céu azul. Leo engoliu em seco. — Hã, não me leve a mal, mas você não me matou. Enlouqueceu? Os olhos de Calipso brilhavam de ódio, mas pela primeira vez Leo não achou que aquele ódio fosse destinado a ele. — Seus amigos devem precisar de você, ou Gaia não pediria a sua morte. — Eu… hã, sim. Acho que sim. — Então, temos trabalho a fazer — disse ela. — Precisamos levá-lo de volta ao seu navio.

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