quarta-feira, 18 de abril de 2018

T1 N° 698 : A CASA DE HADES

L

LEO

— SANTO HEFESTO — DISSE LEO. A trilha levava ao mais belo jardim que já vira. Não que tenha passado muito tempo em jardins, mas, caramba. À esquerda havia um pomar e um vinhedo: árvores de pêssego com frutas vermelho-dourado que cheiravam deliciosamente sob o sol quente, vinhedos cuidadosamente podados repletos de uvas, caramanchões de jasmins florescentes e uma infinidade de outras plantas que Leo não sabia nomear. À direita havia maravilhosos canteiros de legumes e ervas, dispostos como raios ao redor de uma grande fonte borbulhante onde sátiros de bronze cuspiam água em um chafariz. Nos fundos do jardim, onde terminava a trilha, abria-se uma caverna na encosta de uma colina gramada. Comparada ao bunker 9 do acampamento, a entrada era pequena, mas era impressionante à sua maneira. Em ambos os lados, a rocha cristalina fora esculpida em forma de colunas gregas brilhantes. Os topos das colunas eram unidos por uma vara de bronze que sustentava cortinas de seda branca. O nariz de Leo foi tomado por aromas deliciosos: cedro, zimbro, jasmim, pêssego e ervas frescas. O cheiro que vinha da caverna realmente chamou sua atenção: parecia que havia um ensopado de carne no fogo. Começou a andar em direção à entrada. Sério, como poderia evitar? Mas parou quando viu a menina. Estava ajoelhada em sua horta, de costas para Leo. Murmurava para si mesma enquanto cavava furiosamente com uma espátula de jardinagem. Leo se aproximou pelo lado, para que ela pudesse vê-lo. Não pretendia surpreendê-la uma vez que a menina estava armada com um afiado instrumento de jardinagem. Ela continuou xingando em grego antigo e esfaqueando o solo. Tinha torrões de terra nos braços, no rosto e em seu vestido branco, mas parecia não se importar.
Leo gostou do que viu. Ela ficava melhor com um pouco de lama. Menos com cara de rainha da beleza, mais parecida com o tipo de pessoa que mete a mão na massa. — Acho que você já castigou a terra o suficiente — disse Leo. Ela olhou feio para ele, com olhos vermelhos e lacrimejantes. — Vá embora. — Você está chorando — disse ele, o que era estupidamente óbvio, mas vê-la dessa forma o desconsertou, por assim dizer. Era difícil ficar bravo com alguém que estava chorando. — Isso não é da sua conta — murmurou ela. — A ilha é grande. Apenas… encontre o seu lugar. Deixe-me em paz. — Ela acenou vagamente em direção ao sul. — Vá por ali talvez. — Então, nada de jangada mágica — afirmou Leo. — Não existe nenhuma outra maneira de sair desta ilha? — Aparentemente, não! — O que devo fazer? Ficar sentado nas dunas de areia até morrer? — Seria bom… — Calipso baixou a espátula e amaldiçoou o céu. — Só que acho que ele não pode morrer aqui, não é mesmo? Zeus! Isso não é engraçado! Não pode morrer aqui? — Espere um pouco. A cabeça de Leo girou como um eixo de manivela. Não conseguia traduzir muito bem o que a garota estava dizendo, como quando ouvia espanhóis ou sulamericanos falando espanhol. Sim, conseguia entender mais ou menos. Mas soava tão diferente que era quase outro idioma. — Preciso de algumas informações — disse ele. — Você não me quer por perto, tudo bem. Também não quero ficar aqui. Mas não vou morrer em um canto. Preciso sair desta ilha. Tem de haver um meio. Todo problema tem uma solução. Ela riu amargamente. — Se ainda acredita nisso, não viveu muito tempo. O modo como disse aquilo provocou-lhe um calafrio. Ela parecia ter a mesma idade que ele, mas Leo se perguntou quantos anos realmente teria. — Você falou algo sobre uma maldição. Ela flexionou os dedos, como se estivesse praticando a sua técnica de
estrangulamento. — É. Não posso deixar Ogígia. Meu pai, Atlas, lutou contra os deuses, e eu o apoiei. — Atlas — disse Leo. — O titã Atlas? A garota revirou os olhos. — Sim, seu pequeno impossível… — Fosse lá o que ia dizer, guardou para si. — Fiquei presa aqui, onde não poderia causar problemas para os olimpianos. Há cerca de um ano, depois da Segunda Guerra dos Titãs, os deuses prometeram perdoar os seus inimigos e ofereceram anistia. Supostamente Percy os fez prometer… — Percy — disse Leo. — Percy Jackson? Ela fechou os olhos. Uma lágrima escorreu pelo seu rosto. Ah, pensou Leo. — Percy esteve aqui — murmurou ele. Ela enterrou os dedos no solo. — E-eu pensei que seria libertada. Atrevi-me a ter esperança… mas ainda estou aqui. Leo lembrava-se agora. A história era para ser um segredo, mas é claro que isso significava que se espalharia como fogo pelo acampamento. Percy contou para Annabeth. Meses mais tarde, quando ele desapareceu, Annabeth contou para Piper. Piper contou para Jason… Percy dissera ter visitado aquela ilha. Encontrara uma deusa que se apaixonou por ele e queria mantê-lo por lá, mas acabou deixando-o partir. — Você é aquela moça — disse Leo. — Aquela que tem nome de música caribenha. Os olhos dela faiscaram de ódio. — Música caribenha… — É. Reggae? — Leo balançou a cabeça. — Merengue? Espere, vou me lembrar… — Ele estalou os dedos. — Calipso! Mas Percy disse que você era incrível. Disse que era doce e útil, e prestativa, não, hum… Ela se levantou: — Sim? — Hã, nada — cortou Leo. — Você seria doce — perguntou ela —, se os deuses esquecessem de sua
promessa de deixá-lo partir? Seria doce se debochassem de você enviando um outro herói, mas um herói parecido com… com você? — Isso é uma pegadinha? — Di Immortales! Ela se virou e entrou em sua caverna. — Ei! Leo correu atrás dela. Ao entrar, ficou atônito. As paredes eram feitas de pedaços de cristal colorido. Cortinas brancas dividiam a caverna em diferentes cômodos decorados com confortáveis almofadas, tapeçarias e pratos de frutas frescas. Viu uma harpa em um canto, um tear em outro, e uma grande panela no fogo, onde o ensopado borbulhava, preenchendo a caverna com aromas deliciosos. O mais estranho? As tarefas se executavam por conta própria. Toalhas flutuavam pelo ar, dobravam-se e empilhavam-se caprichosamente. Colheres lavavam a si mesmas em uma pia de cobre. A cena fez Leo lembrar dos espíritos invisíveis que serviam o almoço no Acampamento Júpiter. Calipso estava diante de um lavatório, limpando a terra de seus braços. Olhou feio para Leo, mas não gritou para que saísse. Sua raiva parecia estar perdendo a força. Leo pigarreou. Se pretendia obter qualquer ajuda daquela mulher, precisava ser agradável. — Então… Entendo por que está com raiva. Provavelmente deseja não ver nunca mais outro semideus. Acho que não ficou muito bem quando, hã, Percy a deixou… — Ele foi apenas o mais recente — rosnou Calipso. — Antes dele, foi Drake, o pirata. E antes dele, Odisseu. São todos iguais! Os deuses me enviam os melhores heróis, aqueles que não me dão alternativa senão… — Você se apaixonar por eles — completou Leo. — E então eles a abandonam. O queixo da garota tremia. — Essa é a minha maldição. Tinha a esperança de me livrar disso agora, mas ainda estou aqui, presa em Ogígia há três mil anos. — Três mil. — A boca de Leo formigou, como se tivesse acabado de comer aquelas balinhas que estouram. — Hã, você está inteiraça para alguém que tem
três mil anos. — E agora… o pior insulto de todos. Os deuses zombam de mim enviando você. A raiva borbulhou no estômago de Leo. Sim, típico. Se Jason estivesse ali, Calipso se jogaria nos braços dele. Imploraria para que ficasse, mas ele se faria de nobre, falaria sobre retomar seus deveres, e deixaria Calipso de coração partido. E a jangada mágica certamente chegaria. Mas Leo? Era o convidado chato de quem ela não podia se livrar. Calipso nunca se apaixonaria por ele, porque ela definitivamente não era para o seu bico. Não que se importasse. Afinal, a moça não fazia o seu tipo. Era muito chata, e bonita, e — bem, isso não importava. — Tudo bem — disse ele. — Eu a deixarei em paz. Vou construir algo sozinho e sair desta ilha estúpida sem a sua ajuda. Ela balançou a cabeça com tristeza. — Você não entende, não é? Os deuses estão rindo de nós dois. Se a jangada não aparecer, significa que fecharam Ogígia. Você está preso aqui, assim como eu. Nunca irá embora.

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