LXXV
HAZEL
SE O GIGANTE TIVESSE FUGIDO gritando, Hazel teria ficado grata. Em seguida, poderiam tirar o resto do dia de folga. Clítio a decepcionou. Quando viu as tochas ardentes da deusa, o gigante pareceu recuperar o ânimo. Bateu o pé, fazendo o chão tremer e quase pisando no braço de Annabeth. Uma fumaça escura ergueu-se ao seu redor até Annabeth e Percy ficarem completamente escondidos. Hazel não conseguia ver coisa alguma além dos olhos brilhantes do gigante. — Palavras corajosas — disse Clítio através da boca de Leo. — Mas você esqueceu, deusa, que quando nos encontramos pela última vez, teve a ajuda de Hércules e de Dionísio, os mais poderosos heróis do mundo, ambos fadados a se tornarem deuses. Agora você me traz… esses daí? O corpo inconsciente de Leo se retorcia de dor. — Pare com isso! — gritou Hazel. Ela não planejou o que aconteceu em seguida. Apenas sabia que tinha que proteger os amigos. Imaginou-os atrás dela, da mesma forma como imaginara os novos túneis que apareceram no Labirinto de Pasifae. Leo desapareceu e reapareceu aos pés de Hazel, ao lado de Percy e Annabeth. A Névoa rodopiou em torno dela, derramando-se sobre as pedras e envolvendo seus amigos. A Névoa branca chiou e emanou vapor quando encontrou a fumaça negra de Clítio, como lava rolando para dentro do mar. Leo abriu os olhos e ofegou. — O-o quê… Annabeth e Percy permaneceram imóveis, mas Hazel podia sentir os batimentos cardíacos cada vez mais fortes, a respiração cada vez mais uniforme. No ombro de Hécate, Gale, a doninha, chiou em sinal de admiração. A deusa se aproximou, com os olhos escuros brilhando à luz das tochas. — Você está certo, Clítio. Hazel Levesque não é Hércules ou Dionísio, mas creio que a achará tão formidável quanto eles.
Através da mortalha de fumaça, Hazel viu o gigante abrir a boca. As palavras não saíam. Clítio fez uma careta de frustração. Leo tentou sentar. — O que está acontecendo? O que posso… — Cuide de Percy e Annabeth. — Hazel sacou a espata. — Fique atrás de mim. Mantenha-se na Névoa. — Mas… O olhar que Hazel lhe lançou deve ter sido mais grave do que ela se deu conta. Leo engoliu em seco. — Sim, entendi. Névoa branca é bom. Fumaça preta é ruim. Hazel avançou. O gigante abriu os braços. O teto abobadado estremeceu e a voz do gigante ecoou pela câmara, ampliada cem vezes. Formidável?, perguntou o gigante. Ele soava como se estivesse falando através de um coro de mortos, usando todas as almas infelizes sepultadas atrás das estelas da cúpula. Porque a menina aprendeu os seus truques de magia, Hécate? Porque permitiu que esses fracotes se escondessem em sua Névoa? Uma espada apareceu na mão do gigante, uma lâmina de ferro estígio muito parecida com a de Nico, só que cinco vezes maior. Não compreendo por que Gaia acha que algum destes semideuses é digno de sacrifício. Vou esmagá-los como cascas de nozes vazias. O medo de Hazel se transformou em raiva. Ela gritou. As paredes da câmara emitiram um som crepitante como gelo em água morna, e dezenas de pedras preciosas dispararam em direção ao gigante, perfurando a armadura como balas de chumbo. Clítio cambaleou para trás, a voz desencarnada gritando de dor. A armadura de ferro estava salpicada de buracos. Icor dourado escorria de um ferimento no braço direito. O manto de escuridão se diluiu. Hazel podia ver a expressão assassina no rosto do gigante. Você, rosnou Clítio. Sua desprezível… — Desprezível? — perguntou Hécate calmamente. — Diria que Hazel Levesque conhece alguns truques que nem mesmo eu poderia ensinar. Hazel ficou à frente de seus amigos, determinada a protegê-los, mas sua energia estava enfraquecendo. A espada pesava em sua mão, e ainda não a
usara. Desejou que Arion estivesse ali. Poderia aproveitar a velocidade e a força do cavalo. Infelizmente, seu amigo equino não poderia ajudá-la naquele momento. Era uma criatura nascida para espaços abertos, não para o subterrâneo. O gigante enfiou os dedos na ferida do braço. Tirou dali um diamante e jogou-o de lado. A ferida fechou. Então, filha de Plutão, retumbou Clítio, realmente acredita que Hécate leva a sério os seus interesses? Circe era uma de suas favoritas. E Medeia. E Pasifae. E como elas acabaram, hein? Atrás dela, Hazel ouviu Annabeth despertando, gemendo de dor. Percy murmurou algo que soou como “Bob-bob-bob?” Clítio adiantou-se, segurando a espada casualmente, como se fossem companheiros em vez de inimigos. Hécate não lhe dirá a verdade. Ela envia acólitos como você para fazer o seu trabalho e correr todos os riscos. Se por algum milagre me incapacitar , apenas então ela será capaz de atear fogo em mim. Então, reivindicará a glória de ter me matado. Sabe como Baco lidou com os gêmeos Aloadas no Coliseu. Hécate é pior . É uma titã que traiu os titãs. Então ela traiu os deuses. Realmente acredita que será fiel a você? O rosto de Hécate estava ilegível. — Não posso responder às acusações dele, Hazel — disse a deusa. — Esta é a sua encruzilhada. Você deve escolher. Sim, encruzilhada. O riso do gigante ecoou. Suas feridas pareciam ter se curado completamente. Hécate lhe oferece obscuridade, escolhas, vagas promessas de magia. Sou o anti-Hécate. Eu darei a você verdade. Eliminarei as opções e a magia. Afastarei a Névoa de uma vez por todas e mostrarei o mundo em todo o seu horror verdadeiro. Leo esforçou-se para ficar de pé, tossindo como um asmático. — Estou amando esse cara. — Ele ofegou. — Sério, devemos mantê-lo por perto para dar palestras motivacionais. — Suas mãos se inflamaram como maçaricos. — Ou eu poderia apenas incendiá-lo. — Leo, não — disse Hazel. — Aqui é o templo do meu pai. Minha responsabilidade. — Sim, está bem. Mas… — Hazel — arquejou Annabeth.
Hazel ficou tão feliz ao ouvir novamente a voz da amiga que quase virou, mas sabia que não deveria tirar os olhos de Clítio. — As correntes… — Conseguiu dizer Annabeth. Hazel inspirou rápido. Fora uma tola! As Portas da Morte ainda estavam abertas, estremecendo contra as correntes que as prendiam no lugar. Ela teria de quebrá-las para que desaparecessem e, finalmente, ficassem fora do alcance de Gaia. O único problema: um enorme gigante de fumaça em seu caminho. Você não pode acreditar seriamente que tem força para isso, repreendeu Clítio. O que você fará, Hazel Levesque: atirar mais rubis? Fazer chover safiras? Hazel deu-lhe uma resposta. Ergueu a espata e atacou. Aparentemente, Clítio não esperava que ela fosse tão suicida. O gigante foi lento ao erguer a espada. No momento em que desferiu o golpe, Hazel se jogou entre as suas pernas e cravou a espada de ouro imperial em seu gluteus maximus. Não foi a atitude de uma dama. As freiras da St. Agnes reprovariam. Mas funcionou. Clítio berrou e arqueou as costas, afastando-se dela. A Névoa ainda girava em torno de Hazel, sibilando quando tocava a fumaça negra do gigante. Hazel percebeu que Hécate a estava ajudando, dando-lhe força para manter um manto defensivo. Também sabia que, no instante em que a sua concentração vacilasse e a escuridão a tocasse, cairia. Se isso acontecesse, não tinha certeza se Hécate seria capaz — ou estaria disposta — a evitar que o gigante esmagasse a ela e a seus amigos. Hazel correu em direção às Portas da Morte. Sua lâmina quebrou as correntes do lado esquerdo como se fossem feitas de gelo. Pulou para a direita, mas Clítio gritou: — NÃO! Por pura sorte ela não foi cortada ao meio. O lado plano da espada do gigante atingiu-a no peito e jogou-a longe. Ela bateu na parede e sentiu ossos se partindo. Do outro lado da câmara, Leo gritou seu nome. Através de sua visão embaçada, viu um clarão de fogo. Hécate estava ali perto, sua forma tremulando como se estivesse prestes a se dissolver. As tochas pareciam se apagar, mas isso poderia ser apenas porque Hazel estava começando a perder a consciência. Não podia desistir agora. Ela se obrigou a levantar. Um lado de seu corpo
parecia estar cortado por lâminas de barbear. Sua espada estava no chão a uns dois metros dali. Cambaleou em direção à arma. — Clítio! — gritou Hazel. Ela quis que aquilo soasse como um desafio corajoso, mas saiu mais como um gemido. Ao menos chamou a atenção dele. O gigante parou de prestar atenção em Leo e nos outros. Quando a viu mancando, riu. Boa tentativa, Hazel Levesque, admitiu Clítio. É melhor do que eu esperava. Mas apenas magia não pode me derrotar , e você não tem força suficiente. Hécate falhou com você. Assim como falhou com todos os seus seguidores no final. A Névoa ao redor dela estava se diluindo. No outro extremo da sala, Leo tentava forçar Percy a comer um pouco de ambrosia, embora o garoto ainda estivesse praticamente inconsciente. Annabeth estava desperta, mas ainda tonta, mal conseguindo erguer a cabeça. Com suas tochas, Hécate ficou observando e esperando — o que enfureceu Hazel a ponto de ela conseguir uma última onda de energia. Arremessou a espada. Não contra o gigante, mas em direção às Portas da Morte. As correntes no lado direito se quebraram. Hazel desabou em agonia, com um lado do corpo queimando, quando as Portas estremeceram e desapareceram em um brilho de luz roxa. Clítio rugiu tão alto que seis estelas caíram do teto e se partiram. — Isso foi pelo meu irmão, Nico — ofegou Hazel. — E por você ter destruído o altar do meu pai. Você perdeu o seu direito a uma morte rápida, rosnou o gigante. Vou sufocá-la nas trevas, lenta e dolorosamente. Hécate não poderá ajudá-la. NINGUÉM poderá ajudá-la! A deusa ergueu as tochas. — Não estaria tão certa disso, Clítio. Os amigos de Hazel só precisavam de um pouco de tempo para alcançá-la, tempo que você lhes deu ao ficar se gabando e zombando. Clítio debochou. Quais amigos? Aqueles fracotes? Eles não são um desafio. Diante de Hazel, o ar tremulou. A névoa se adensou, criando um portal, e quatro pessoas o atravessaram. Hazel chorou de alívio. Frank tinha o braço enfaixado e com manchas de
sangue, mas estava vivo. Junto a ele, estavam Nico, Piper e Jason, todos com as espadas desembainhadas. — Desculpem o atraso — disse Jason. — Esse é o cara que precisa ser morto?
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